Por Rafaela Brito, Colunista de Plurale (*)
Têmis é a deusa da Justiça na mitologia grega. É ela quem, apesar de ter os olhos vendados, carrega uma balança na mão esquerda e uma espada na mão direita. Ao olharmos para a escultura representativa de Têmis, nos deparamos com a potencialidade dos sentimentos da Justiça, da equidade, da verdade e do poder. Olhar para ela é perceber que a mulher carrega a docialidade e a ternura no coração e a força e a coragem nas ações. É ela a figura da defesa da lei e da ordem, protetora dos oprimidos.
Mesmo com todo o poder que emana da figura da deusa Têmis, no Brasil e no mundo, muitas mulheres continuam sofrendo injustiças, desrespeitos, discriminações, violências físicas e psicológicas, violando, assim, princípios e regras de direitos humanos. É claro o artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 ao dizer que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. Ocorre, porém, que, na prática, a história é outra. Existem países, onde as mulheres se submetem à clitoridectomia, onde é crime dirigir um veículo automotor, onde só podem frequentar a universidade com a permissão do marido.
Apontam dados da Organização das Nações Unidas- ONU- que “uma em cada três mulheres no mundo é vítima de violência”. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada- IPEA-, em 2013, divulgou um estudo com dados sobre a violência contra a mulher no Brasil. De acordo com o levantamento, o Brasil registrou, entre 2009 e 2011, 16,9 mil feminicídios, isto é, mortes de mulheres decorrentes de assassinatos por razões de gênero, envolvendo a violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação contra a sua condição. O número indica uma taxa de 5,82 casos para cada 100 mil mulheres. A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito- CPMI- da Violência contra a Mulher, divulgou um relatório, também de 2013, em que 41% dos assassinatos de 43,7 mil mulheres no país entre 2000 e 2010 ocorreram em suas próprias casas, muitas por companheiros ou ex-companheiros. Seria a venda de Têmis tão escura, fazendo com que ela não enxergue o que os dados apontam? A venda, que deveria ser a imparcialidade na hora de aplicar a justiça, parece parcial, mas não é para o lado feminino.
No âmbito do Direito Internacional, três declarações são importantes para que a venda da deusa, símbolo da justiça, comece a cair e a enxegar a internacionalização dos direitos humanos da mulher e a superação das desigualdades entre homens . São elas: a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher (1953), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção Belém do Pará – 1994).
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979) afirma que "discriminação contra as mulheres" significa toda distinção, exclusão ou restrição fundada no sexo e que tenha por objetivo ou consequência prejudicar ou destruir o reconhecimento, gozo ou exercício pelas mulheres, independentemente do seu estado civil, com base na igualdade dos homens e das mulheres, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção Belém do Pará – 1994) entende por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado. Utilizando-se dos dados apresentados pela ONU, IPEA e CPIM, percebe-se que a balança, sinal de equilíbrio, segurada pela deusa da justiça, está em pleno desequilíbrio, pendendo para a exclusão e a desigualdade de gêneros.
Seria o momento de a deusa usar a espada para pôr fim às injustiças perpetradas contra mulheres inominadas e nominadas, conhecidas e desconhecidas? SIM!
No Brasil, além de constituir violação aos direitos humanos, a violência doméstica é um problema de saúde pública. A Lei Federal n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, batizada como Lei Maria da Penha, iniciou uma nova era no combate à violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher, criando mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil, dispondo sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e estabelecendo medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
A Lei Maria da Penha está acompanhando o avanço legislativo internacional, é o principal instrumento legal brasileiro de enfrentamento à violência contra as mulheres e é reconhecida, pela ONU, como uma das três melhores legislações do mundo neste âmbito. Neste mesmo sentido e avanço, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou no dia 03/03/2015 a proposta que inclui o feminicídio como homicídio qualificado, classificando-o ainda como crime hediondo. Como o texto passou em dezembro de 2014 pelo Senado, já será enviado para sanção presidencial. O Projeto de Lei 8305/14 modifica o Código Penal para incluir entre os tipos de homicídio qualificado o feminicídio.
Entre o caos e a ordem, contra a impunidade no cenário nacional de violência doméstica e familiar contra a mulher, a deusa Têmis vai mostrando sua incansável busca pela justiça, por meio de legislações internacionais e nacionais mais concretas e eficazes.Têmis não dorme, porque, como toda mulher, é guerreira, corajosa e triunfa com sua beleza única e inconfundível de deusa da Justiça.
(*) Rafaela Brito é Bacharela em Direito com Habilitação em Direito Agrário e Direito Ambiental pela Universidade da Amazônia - UNAMA- Belém. Advogada, em Fortaleza e em Brasília, atuante no direito e nas relações internacionais. Membro da comissão de Direito Ambiental da OAB-CE. Membro da comissão de Direito Internacional da OAB-CE. Mestranda em Estudos Ambientais pela Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales- UCES-Buenos Aires, Argentina. Especialista em Direito Ambiental pela Faculdade Internacional de Curitiba- FACINTER. Especialista em Direito Internacional pela Universidade de Fortaleza- UNIFOR. Sócia do escritório jurídico Carvalho, Moreira & Brito Advogados Associados. Membro efetivo do grupo de Comunhão e Direito (Comunione e Diritto), ligado ao Movimento dos Focolares. Estudos e palestras realizados na Alemanha, Argentina, Espanha, Irlanda, Itália e Reino Unido.