Atenção

Fechar

Desastre ambiental de Mariana

Histórias de Mariana: "tabela Fipe não ressarce trabalho perdido"

Por Hélio Rocha, Enviado Especial à Mariana (MG)

Plurale e Pautando Minas

Marido de Cleinice perdeu as vans que usava para trabalhar. Agora, quer indenização pelo trauma e pelo tempo perdido de trabalho. Foto: Marcus Martins/Pautando Minas

Motorista de Bento Rodrigues perdeu na tragédia as vans que usava para transportar professores. Agora, quer receber o dinheiro pelo veículo e pelos danos profissionais que lhe foram causados.

Quase três meses após o crime ambiental causado pelo rompimento das barragens da Samarco, em Mariana (MG), que atingiu vários distritos do município e provocou a maior catástrofe da história da mineração brasileira, os moradores das regiões devastadas pela lama de rejeitos de minério iniciam sua luta para recuperar o que perderam na tragédia. Desde o fim de dezembro, reuniões vêm sendo realizadas entre representantes da Samarco, o Ministério Público e lideranças comunitárias das áreas atingidas, para chegarem a um acordo sobre a indenização a ser recebida por quem perdeu bens materiais, familiares ou mesmo a saúde depois do ocorrido.

Na quarta-feira (20), vítimas da mineradora receberam o adiantamento de pagamento de R$ 10 mil a quem perdeu imóvel na região, seja moradia ou casa de fim de semana, além de valor equivalente à tabela fixada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) para cobrir a perda de veículos. “O compromisso é de que a gente faça o pagamento até 29 de fevereiro, para as pessoas que usavam imóvel para lazer. Quando aos veículos, temos o prazo de 30 dias, assim que elas apresentarem a documentação, com indenização no valor da tabela Fipe, com correção monetária segundo a taxa Selic”, disse à imprensa o coordenador de Desenvolvimento Sócio Institucional da Samarco, Estanislaw Klein.

Apesar disso, muitos moradores ainda consideram incipiente a atuação da empresa, que, de acordo com essas pessoas, deveria arcar com mais do que a cobertura pragmática das perdas materiais, visto que os moradores de Bento Rodrigues e Paracatu, sobretudo, perderam na tragédia uma vida estabelecida e o local onde viviam, cujo prejuízo imaterial é difícil de mensurar.

O promotor que cuida do caso, Guilherme de Sá Meneghin, responsabilizou a Samarco e o Governo federal pela morosidade no processo de indenização e reconstrução dos vilarejos. Uma tentativa de levar o processo para a União, saindo da comarca de Mariana para tramitar em Brasília, estaria sendo usada de pretexto para a Samarco atrasar o processo. “A promotoria entende que a questão social tem de ser tratada localmente. A existência de uma ação unificada da união com grupo de trabalho para a questão social, longe do foco do problema, só prejudica o direito dos atingidos. Isso atrasa os prazo para assentamento e indenizações.”

Promotor Meneghin é contra União assumir o caso. Foto: Marcus Martins/PMinas

Hoje, o Pautando Minas e Plurale em revista, que visitaram, em parceria, a região atingida nos arredores de Mariana, iniciam uma série sobre as vítimas da tragédia e suas histórias pessoais. O testemunho de quem perdeu tudo e ainda se sente injustiçado pelas medidas paliativas adotadas pela mineradora e por suas controladoras, as gigantes Vale e BHP Billiton.

Vans transportavam professores para Bento Rodrigues

Enterradas na lama de rejeitos de minérios que desceu da barragem Fundão, em Bento Rodrigues, estão as ferramentas de trabalho do motorista Edel Rezende, que tinha duas vans que usava para transportar professores para trabalhar no distrito, além de crianças para estudar e outras pessoas que precisavam ir a Mariana. O trabalhador perdeu tudo o que tinha e, apenas recentemente, localizou seus veículos, soterrados pela lama de rejeitos e obviamente inutilizados. A luta dele, agora, é para ser ressarcido no valor proporcional ao veículo e à força de trabalho que ele perdeu no desastre.

Edel preferiu não falar ao Pautando Minas e à Plurale, mas sua esposa, a dona-de-casa Cleinice Rezende, 53 anos, disse que os dias de sofrimento desde a tragédia, a perda do emprego e a busca por reconstrução, demandam da Samarco uma indenização superior ao valor de revenda do automóvel. “Até porque não era nossa intenção vender o carro. A tabela Fipe é de quem quer vender, se desfazer do automóvel. Não é para quem perdeu o veículo numa tragédia e foi lesado pela falta de cuidado de uma empresa com suas barragens”, reivindica Cleinice, que diz querer o ressarcimento da perda das vans e do tempo perdido de trabalho, além dos danos morais pelo acontecido.

Além disso, objetos de valor inestimável para a família de Edel e Cleinice estão perdidos. O motorista fazia alguns dos móveis da casa, muitos dos quais levou anos para tê-los finalizados e na forma desejada. A família calcula que levou 23 anos para ter toda a mobília feita em casa. Por isso, uma das mesas que Edel encontrou intacta, suja pela lama, foi levada para a nova moradia, uma casa alugada em outro distrito de Mariana. “Isso a Samarco não vai ressarcir. A perda de anos de construção e trabalho. Por isso temos que pedir mais do que a letra fria da lei e dos cálculos com base em tabelas do Governo. Os danos que nos foram causado vão muito além dos números”, sintetiza a dona de casa.

A conclusão da esposa do motorista é de que, hoje em dia, os moradores de Bento Rodrigues “vivem de esperança”, mas não na empresa e em suas medidas para recuperar a vida das pessoas. A esperança é na mobilização das pessoas e na pressão ao poder público, de modo que, apenas dessa forma, a Samarco possa indenizar as vítimas em valor proporcional ao sofrimento que ela causou. “Foi uma vida que se perdeu, mais de trinta anos de uma comunidade ligados à Vale e suas mineradoras. Precisamos cobrar uma posição mais atuante junto a quem perdeu tudo.”







0 comentários | Comente

 Digite seu comentário

*preenchimento obrigatório



Ninguém comentou essa notícia ainda... Seja o primeiro a comentar!

Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.