Por Giane Gatti, Especial para Plurale
Sua fala é suave, ela conversa olhando nos seus olhos e dá o seu recado de forma amorosa, mas firme. A indiana Jayanti Kirpalani, 70 anos, é diretora da escola de meditação e qualidade de vida Brahma Kumaris (BK) na Europa e oradora sênior das Conferências da ONU sobre Mudanças Climáticas há 10 anos. Ela está em Madri para a COP 25 (Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática da ONU), que começou na segunda-feira, 2 de dezembro, em Madri).
Praticante de meditação há mais de 50 anos, Jayanti afirma que a excessiva identificação com a matéria levou as pessoas a terem uma atitude materialista e consumista em relação ao mundo. Mas ela tem observado, ao longo dos anos, que a sociedade civil está interessada em uma transformação desse comportamento, porque as pessoas estão sendo afetadas pelas mudanças climáticas em muitas partes do mundo.
Segundo ela, temos de cultivar um estilo de vida de simplicidade e praticar valores mais profundos como respeitar o meio ambiente, a natureza e o mundo ao redor. Para ela, existe esperança, existe um futuro.
A BK participará ativamente da COP25: Exposição conjunta "Como mudanças na consciência e no pensamento sistêmico abrem portas para tecnologias e estilos de vida sustentáveis fundamentados na integridade e cuidado"; Evento"Caminhos pacíficos para soluções sustentáveis", Evento "Inspirando coragem para agir e se adaptar em uma emergência climática", entre outros.
GG - A maioria das pessoas sabe o que está acontecendo no planeta, mas por que essa negação coletiva? Por que não mudam esse estilo de vida consumista que está destruindo o planeta?
JK - Não é fácil mudar o estilo de vida e é preciso muita coragem e poder. E normalmente as pessoas não têm esse poder espiritual para fazer mudanças. Por exemplo, é claro que precisamos usar formas alternativas de transporte, mas requer muito esforço e somos preguiçosos, então não ligamos para isso. Entendemos que a agricultura é responsável por 40% das emissões CO2, assim como o transporte também gera 40%, mas ainda assim não mudamos nossa dieta por causa do sabor, da cultura, dos hábitos, e todas essas coisas nos seguram. E somente uma consciência espiritual nos faz perceber o que precisamos fazer, mas também nos dá poder e capacidade para mudar.
GG - O estado do planeta é reflexo do nosso estado interior?
Jk - Definitivamente tem uma conexão entre o estado do planeta e nosso estado interno, porque o que acontece dentro de nós é um vazio. Nossa atitude materialista com relação à vida faz com que esqueçamos nossa identidade espiritual e nos leva a pensar que a felicidade está aqui fora e que, quanto mais nós consumimos mais feliz ficaremos, mas não temos evidências disso. Eu compro um carro novo e fico feliz por um dia e se amanhã ele é destruído num acidente, essa felicidade termina. E não aceito verdadeiramente essa realidade então é o vazio interior que nos mantém no caminho do consumo e só uma consciência espiritual nos permite mudar e ter esse poder que vem do Divino e encontrar uma felicidade que faça sentido.
GG - A senhora mencionou a importância de uma busca da espiritualidade que nos dá poder, mas a grande maioria das pessoas nem se dá conta de que está buscando a felicidade no lugar errado e da necessidade de uma transformação espiritual.
JK - Por isso é tão importante aumentar a conscientização para explicar às pessoas essas coisas. Talvez nem todos vão entender, mas ao menos você fez um esforço para ajudá-los a entender. E eu acho que a crise do meio ambiente está fazendo as pessoas mais conscientes sobre como a espiritualidade é necessária. Eu vejo mais pessoas interessadas em dieta vegetariana não só pela razão espiritual, mas também pela razão ecológica ou pela saúde, e qualquer que seja a razão é uma coisa boa. Também vejo que agora as pessoas perceberam que temos de simplificar nosso estilo de vida. Precisamos reduzir, reutilizar e reciclar e acho que lentamente as pessoas estão começando a entender a necessidade disso. Mas do outro lado temos as corporações: o lobby das companhias petrolíferas e usinas à carvão e eles não querem que olhemos para esses problemas, mas sim que compremos, compremos e consumemos mais e mais, e logo se torna uma atitude egoísta no mundo.
Conheço muitos casos contra corporações da indústria de petróleo, porque as pessoas entenderam a ligação entre problemas de saúde e questões de segurança, mas as rodas da justiça se movem muito devagar, então leva muito tempo para que esses temas venham a público. Mas sei que há tempos que as empresas petrolíferas têm ciência de que nos últimos 50 anos elas tiveram um enorme impacto no planeta. Os cientistas deixaram muito claro e falam sobre isso desde 1972 na Conferência da ONU em Estocolmo, na Suécia e, desde então, tem havido informação sobre isso, mas há esse grande e cínico lobby que não quer que acreditemos nos cientistas.
"A qualidade de qualquer sociedade ou comunidade não é melhor ou pior do que as qualidades pessoais de seus membros. Para alcançar crescimento econômico e desenvolvimento social é crucial alcançar o desenvolvimento pessoal. Sem isto os primeiros tijolos de qualquer nova ordem mundial serão a própria ruína de tal ordem", Jayanti Kirpalani
GG - A senhora acredita que temos uma responsabilidade individual, afinal de contas nenhum lobby de nenhuma empresa me obriga a comprar um carro ou ser um consumidor insano?
JK - Sem dúvida! Cada ser humano como indivíduo tem um enorme impacto na sua própria vida, na da sua família e de seus amigos. Uma pessoa mudando impacta muitos ao seu redor. Eu mudo e talvez impacte cinco outros e esses cinco outros impactam outros e multiplicando isso podemos impactar, pelo menos, centenas de outros, mas esquecemos disso e achamos que não podemos fazer muito como indivíduos e nos sentimos impotentes.
Toda vez que vou às compras eu tenho escolha: preciso realmente disso? Isso contribui para um mundo melhor ou gera mais poluição? Acredito que entender o papel que cada indivíduo pode ter é muito importante.
GG - Mas de que adianta eu ser super consciente se os outros mais de sete bilhões de pessoas não fazem o que é preciso?
JK - Se você olhar Greta Thunberg... ela era só uma garotinha à época e que decidiu que queria fazer uma declaração sobre o futuro, porque é o futuro dos jovens de que estamos falando, os mais velhos têm menos tempo disponível. Qual herança estamos deixando aos jovens? E Greta sozinha teve um impacto tão grande em líderes, na ONU e em milhões de crianças no mundo todo. Temos esse exemplo: há dois anos ela era desconhecida e atualmente você menciona o nome dela e todo mundo sabe quem é. Temos que nos lembrar que uma pessoa pode ter um enorme impacto!
GG - Quais as suas expectativas para a COP25? Esses encontros anuais para se falar sobre meio ambiente fazem sentido? Milhares de pessoas vão ao local de evento de avião, emitem CO2 e comem carne.
JK - Entendo as críticas, mas só tem uma única plataforma internacional que tem a credibilidade de reunir os líderes do mundo juntos. Eu vi isso em Paris (COP21) em 2015: tivemos 192 líderes juntos na mesma sala. Ninguém no mundo teve a capacidade de fazer isso, mesmo que não tenha sido um acordo legalmente obrigatório, ainda assim todos os líderes concordaram que teriam que chegar a uma decisão sobre suas próprias emissões de carbono e como reduzi-las e foi uma grande conquista diplomática. Todos os países reconheceram que eles têm que limitar as emissões se não quiserem se tornar impopulares.
Acho que essa COP será muito importante, porque houve uma mudança na mídia. Atualmente eu vejo muitas reportagens sobre colapso econômico por causa da mudança climática, ameaça de segurança alimentar mundial por causa da mudança climática. Então acho que todos esses fatores juntos terão uma enorme importância para os governos decidirem que é hora de agir agora.
GG - A mídia tem um papel fundamental em informar sobre os desafios ambientais.
JK - Acho que a mídia está cobrindo cada vez mais de maneira que as pessoas comuns possam entender ... se há 10 anos me falassem sobre a temperatura que teria que se restringir a aumentar 1,5 grau eu não teria entendido, mas tem havido educação nesse sentido. Acho que tem um papel de dar informação, mas também de educar as pessoas sobre o que está acontecendo. A mídia cada vez mais está interessada e desempenhando esse papel de acordar a consciência das pessoas.
"Espiritualidade tem que ser aplicada na vida e não algo que você faça por 10 minutos por dia ou que você faça num domingo e nos outros seis dias da semana você faça outra coisa. Espiritualidade significa uma mudança de consciência, de percepção e então ser capaz de seguir essa verdade nas coisas que faço em minha vida. Seja em casa, cuidando da família ou no trabalho", Jayanti Kirpalani
GG - A senhora tem esperança de que vamos conseguir agir em nível mundial no pouco tempo que nos resta?
JK - Eu tenho esperanças de que o futuro é radiante para a humanidade, que os seres humanos estão verdadeiramente interessados na bondade, que cada ser humano tem bondade no seu coração e, por causa disso, as pessoas vão mudar e fazer uma contribuição positiva ao mundo.
Entrevista ocorreu em Atibaia/SP, durante retiro espiritual para 300 alunos da Brahma Kumaris em 29/11.
SOBRE JAYANTI KIRPALANI
Jayanti Kirpalani nasceu em 1949, em Poona, Índia, mas mudou-se com a família para Inglaterra nos anos 50. Aos 19 anos, ela retornou à Índia onde se inspirou a dedicar sua vida ao estudo e serviço espiritual com a Brahma Kumaris, desistindo do curso de farmácia que cursava na Universidade de Londres.
Em 1980 foi apontada para ser a principal representante dessa instituição junto às Nações Unidas, em Genebra. Isso a levou a participar de todas as Conferências de Mudanças Climáticas promovidas pela ONU desde 2009, em Copenhague. Na COP24, realizada em 2018 na Polônia, Jayanti falou em vários painéis sobre temas como: "Mentes saudáveis, povo saudável, planeta saudável", "Aumentando os investimentos em resiliência climática para atender às necessidades das pessoas vulneráveis", "Construindo um espírito de solidariedade para superar a crise climática", "O poder das pessoas", "Mudanças de estilo de vida que duram – pelo futuro do planeta".
Ela é diretora da Brahma Kumaris na Europa e oradora do Parlamento das Religiões do Mundo, organização não-governamental de diálogo-inter-religioso criada em Chicago em 1893. Em 2013, recebeu o "British Community Honours Award" concedido pela Câmara dos Comuns do Parlamento Inglês em reconhecimento à sua contribuição especial ao bem-estar, prosperidade e inclusão das comunidades minoritárias da sociedade britânica.
SOBRE BRAHMA KUMARIS
A Brahma Kumaris (BK) é um movimento espiritual mundial dedicado à transformação pessoal e à renovação do mundo. Fundada na Índia em 1937, difundiu-se para mais de 100 países em todos os continentes, tendo um amplo impacto em muitos setores, como uma ONG internacional. No Brasil, as atividades da BK começaram em 22 de maio de 1979, e hoje conta com escolas nas principais capitais e em cidades do interior.
Mantida por meio de contribuições financeiras e serviço voluntário, oferece cursos de meditação raja yoga e uma variedade de palestras e cursos de curta duração sobre desenvolvimento pessoal e bem-estar.
https://www.brahmakumaris.org.br/
INICIATIVAS AMBIENTAIS DA BRAHMA KUMARIS
Agricultura Orgânica Yogue
Práticas meditativas baseadas no pensamento, combinadas com agricultura orgânica, reduzem custos, enquanto ajudam a criar comunidades felizes e resilientes.
A Agricultura Yogue Sustentável é uma iniciativa pioneira do setor de desenvolvimento rural da Brahma Kumaris. Ela integra práticas meditativas baseadas no pensamento com a agricultura orgânica. Os métodos espirituais e físicos interrelacionados estão trazendo claros benefícios econômicos e sociais aos pequenos agricultores de comunidades agrárias na Índia.
Energia Solar
A World Renewal Spiritual Trust (WRST) – Fundação Espiritual para a Renovação Mundial – uma instituição pública, de fundo filantrópico, instalou, em 1992, um Departamento de Energia Renovável. Tornou-se óbvio combinar espiritualidade e valores com pesquisa e desenvolvimento de tecnologia de energia renovável. Acreditamos que a fusão dos dois nos levará a um futuro melhor. Para isso, a Fundação trabalha diretamente ligada à sua organização irmã, a Instituição Brahma Kumaris.
Desde a década de 90, a Fundação tornou-se um dos principais desenvolvedores e promotores de sistemas institucionais de cozinha solar e estações autônomas de energia solar fotovoltaica. A WRST realizou diversas pesquisas e projetos de desenvolvimento juntamente com os governos indiano e alemão e recebeu reconhecimento oficial, em 2011, através do Ministério da Ciência e Tecnologia, como uma Organização de Pesquisa Científica e Industrial – Scientific and Industrial Research Organisation (SIRO).
A Fundação iniciou seis grandes sistemas solares de cozimento a vapor na Índia. Esses sistemas utilizam o vapor excedente em diversas aplicações de processos como lavanderia, esterilização e pasteurização. Além disso, a WRST instalou e opera cerca de 100 sistemas de bateria fotovoltaica (não convencionais) com capacidade máxima total de 900 KW.
Também em 2011, a WRST iniciou o projeto, desenvolvimento e instalação do India One, uma usina termo solar de 1 MW, em Abu Road, Rajastão. Esse projeto de pesquisa utiliza uma antena parabólica de 60m², desenvolvida no próprio projeto, e dispõe de um armazenamento térmico inovador para abastecimento noturno. Essa antena de 60m² é uma tecnologia comprovada e baseia-se em 15 anos de experiência com o concentrador parabólico com foco fixo. A usina de Energia Solar Concentrada – Concentrated Solar Power (CSP) – gerará aquecimento e energia para um campus de 25 mil pessoas.