Por Giuliana Preziosi, especial para a Edição 72 de Plurale em revista
Você sabia que o Brasil é o segundo país mais estressado do mundo, perdendo apenas para o Japão? A pesquisa da International Stress Management Association em 2017 já apontava que o fator de maior causa de estresse é o trabalho, cerca de 70% das pessoas sofrem com isso. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) desde 2019 o Brasil lidera o podium da ansiedade e com o maior número de pessoas ansiosas do mundo. O que será que vem acontecendo em 2020 e o que serão destes indicadores daqui para frente se não nos atentarmos para isso?
É fato que a pandemia do covid-19 trouxe uma série de transformações e revelou muita coisa que antes passava desapercebida, mas será que também conseguiu provocar as reflexões necessárias para a gente entender qual o papel de cada um de nós neste contexto global de disrupção e emergência de ações conscientes?
Talvez uma boa parte da população ainda esteja tentando lidar com a vida no piloto automático em tempos de crise, trabalhando longas horas ou desnorteadas sem emprego e perspectivas de futuro, não sabendo como administrar o tempo, com problemas de relacionamento na família, se debatendo com os conflitos econômicos e políticos e acima de tudo contribuindo para que os dados acima continuem batendo recordes no Brasil. Não é a toa que a pauta de saúde mental está a todo vapor.
Mas acredito naquela parcela de pessoas que está disposta a refletir, sim porque começa por aí. Afinal um mundo em transformação requer pessoas em transformação.
Quando nos deparamos com o contexto atual, podemos dizer que vivemos em um mundo exponencial onde passamos a discutir o que é essencial para lidar com a crise. Um mundo complexo que traz a ilusão de que estamos todos separados quando na verdade tudo está interconectado. Um mundo com abundância de informações que faz com que saber engajar as pessoas seja uma das habilidades mais requisitadas do momento. Um mundo online que precisa valorizar o offline se quiser sobreviver.
Entre as discussões infinitas sobre esse tal de novo normal, outro normal, quase normal, anormal etc., são tantos os desafios que muitas vezes sinto falta do básico. Aquela conversa em que você respira fundo, olha no olho da outra pessoa e pergunta: Ok, mas o que você quer?
Claro que ainda estamos no olho do furacão, o estresse e a ansiedade só colocam mais lenha na fogueira desse panorama global. Agora, e se a gente voltar para o básico e perguntar: no fundo, no fundo, o que será que todas as pessoas querem? Dinheiro, amor, felicidade, saúde.... será?
Jim Haudan no seu livro “The Art of Engagement” responde essa pergunta com 3 propostas. A primeira delas é que todas as pessoas querem ser parte de algo grande. Só que o tamanho dessa “grandeza” pode ser determinado pela visão de cada pessoa. Queremos ser importantes para alguém, seja nosso marido ou esposa, pai ou mãe, filho ou filha, ou porque não nossa comunidade, nosso estado ou nosso país?
A segunda é que queremos ter uma jornada significativa. Ou seja, nossa vida precisa fazer sentido. Não é à toa que a busca por propósito tem se tornado cada vez mais discutida e procurada. As pessoas vêm cada vez menos sentido na vida que levam e vários estudos mostram que segurança material é importante, mas há um limite de até onde o dinheiro traz satisfação genuína. Para o economista indiano Subramanian Rangan “As pessoas parecem TER mais e ao mesmo tempo SER menos”.
Por fim, todas as pessoas querem saber que suas contribuições causam impacto significativo e fazem a diferença. Tivemos um boom de solidariedade este ano, em apenas 4 meses foram mais de 6 bilhões de reais doados para organizações da sociedade civil, mais que o dobro do valor do investimento social privado do ano de 2019 inteiro segundo o censo GIFE. Quando sabemos que nossas ações são significativas e fazem a diferença, a gente arregaça as mangas e faz acontecer.
Dá até uma ponta de esperança quando pensamos assim e de fato é simples no âmbito individual, mas coletivamente será que buscamos as mesmas coisas? Nossa coletividade é a principal força do ser humano e também sua principal fraqueza.
O ser humano não atingiu todas as suas conquistas de forma individualizada, é justamente a nossa capacidade racional e emocional de colaboração que diferencia a nossa espécie das demais. Neste sentido um grupo de pessoas comprometidas que compartilham os mesmos valores podem trazer soluções incríveis para muitos problemas.
Por outro lado, muitos dos problemas com que nos deparamos atualmente vêm desta mesma coletividade: mudanças climáticas, degradação do meio ambiente, aumento das desigualdades sociais, crise hídrica, desperdício de alimentos, entre vários outros. Nada disso vem de um único indivíduo sozinho.
“Por que estamos criando coletivamente resultados que ninguém quer?” questiona Otto Scharmer, co-fundador do Presencing Institute e da Teoria U.
Dessa forma chegamos na famosa matrix e neste ponto cabe a você decidir que pílula você vai tomar. Você pode encarar este ano como um momento de aprendizagem ou continuar no piloto automático torcendo para acabar logo.
A disrupção começa com a forma de enxergar as coisas. Então para fazer 2020 valer a pena e não ser aquele ano que a gente só quer riscar do calendário, proponho 3 reflexões importantes.
Como é viver com você mesmo?
Aposto que muita gente nunca se fez essa pergunta, mas ela pode ser bastante relevadora. Olhar para si mesmo é o primeiro passo de qualquer transformação. “O sucesso de qualquer intervenção depende da qualidade interior do interventor”, disse sabiamente Willian O’Brien.
A energia que coloco no que estou fazendo, o quanto eu acredito no que estou fazendo, tudo isso tem relação com a qualidade dos resultados que estou entregando. Quais sentimentos esse contexto atual está me gerando e como estou lidando com isso são reflexões importantes que devem ser consideradas. Quanto mais clareza tenho destas respostas mais efetivas serão minhas atitudes.
Autor do famoso livro “O poder do agora”, Eckhart Tolle, diz que “o que determina se estamos cumprindo nosso propósito não é o que fazemos, mas como fazemos”.
A dica aqui é trabalhar a sua presença. Procure técnicas de meditação e mindfulness, fortaleça sua saúde mental. Pare de ser dominado pela mente que fica aflita com o futuro e rancorosa com o passado. Quanto mais você conseguir se conectar consigo mesmo, maior impacto terão suas ações.
Como estão suas relações este ano?
O olhar para o outro passou a ter um significado muito maior quando a distância passou a ser imposta. Cuidar da família, conviver mais tempo com os filhos, a preocupação com pais e avós, não poder abraçar os amigos, encarar o home office, são momentos que nos fazem pensar sobre nossa forma de se relacionar.
Criar mudanças requer mudar conversas. A mudança é promovida quando as conversas do dia a dia são alteradas.
A dica é atentar para a comunicação. Será que sei escutar o outro? Minhas conversas estão atingindo os meus objetivos? Em um mundo que precisamos constantemente engajar as pessoas, seja para um projeto de trabalho ou um almoço em família, é preciso saber apreciar o diálogo. Não com olhar de rivalidade onde o que importa é colocar a minha opinião como sendo melhor do que as outras, mas com um olhar colaborativo onde minhas contribuições fazem parte de um contexto muito maior construído conjuntamente naquele momento de troca. Um bom diálogo não tem vencedores, tem ideias impossíveis de serem atribuídas a um único dono.
Que mundo você quer construir?
Podemos optar por enxergar um mundo cheio de problemas ou um mundo cheio de oportunidades. Os olhos do empreendedor veem inovação, colaboração, formas diferentes de fazer coisas conhecidas e usam a criatividade para mudar padrões e quebrar paradigmas. Precisamos ser empreendedores do mundo que queremos viver.
Para resolver um problema, precisamos perceber o que não estamos percebendo. Mas se nosso olhar for somente para encontrar problemas, perderemos todas as oportunidades.
A dica é repensar seu impacto. O que estou gerando e causando no mundo, será que estou aumentando problemas ou trazendo soluções? A vida é feita de vitórias e derrotas diárias, compreender a necessidade de ambas é se entregar por inteiro.
(*) Giuliana Preziosi é sócia na Conexão Trabalho Consultoria, graduada em Comunicação Social, especialização em Planejamento Estratégico pela Universidade da Califórnia em Berkeley, MBA em Gestão da Sustentabilidade e mestranda pela Fundação Getúlio Vargas. Trabalha com Sustentabilidade há mais de 15 anos, é especialista em engajamento, relacionamento com stakeholders e comportamento, atuando com psicologia positiva e ciência da felicidade. Criadora do projeto “Histórias pelo Mundo”, viajou pelo mundo por 530 dias em busca de histórias e experiências inspiradoras. Consultora, facilitadora, palestrante profissional e colunista da Plurale.