Do Sesc Pantanal
Fotos de Gabriela Schuck e Jeferson Prado
Rio de Janeiro, 01 de fevereiro de 2021 – Acuri, canjiqueira, jatobá, bocaiuva, jenipapo, figueira e marmelada já voltaram a dar frutos na maior Reserva Particular do Patrimônio Natural do país, a RPPN Sesc Pantanal, localizada em Mato Grosso. Essas árvores servem de alimento para araras, queixadas e a anta, o maior mamífero da América do Sul. Os primeiros sinais de recuperação na unidade de conservação, que teve 93% da área atingida pelo fogo, deixam pesquisadores otimistas, mas cautelosos diante dos impactos em longo prazo dos incêndios sobre o bioma.
Em 2020, 4,350 milhões de hectares incendiados no Pantanal, ou seja, 30% do bioma, segundo o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA). Na reserva do Sesc Pantanal, um dos locais mais severamente atingidos pelo fogo foi a grande área com acuris, mas essa espécie surpreendeu os pesquisadores e, após quatro meses, já volta a dar seus primeiros frutos. A expectativa inicial era que a nova safra de frutos ocorresse somente um ano após os incêndios.
"A área estava cinza e nem sabíamos se os acuris estavam vivos. Ver as árvores com vários cachos foi muito gratificante porque espécie é importante para a alimentação da fauna do pantanal. Esse é o resultado da ação efetiva do combate ao fogo na Reserva", explica a bióloga e pesquisadora do Grupo de Estudos em Vida Silvestre (GEVS), Gabriela Schuck.
Embora os incêndios tenham alcançado 93% da área da Reserva de 108 mil hectares da RPPN, o fogo teve intensidades diferentes em toda esta extensão, resultado da atuação da brigada de incêndio do Sesc Pantanal, criada há 20 anos. Foram 50 dias de combate em locais simultâneos, o que retardou o avanço do fogo, permitindo a fuga de animais para áreas ainda preservadas ou já atingidas.
Ação emergencial
Em setembro de 2020, pesquisadores da Reserva e de diversas instituições, como o Museu Nacional RJ, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a UFRGS, UFMT e UERJ levantaram dados sobre o número de carcaças de animais encontrados em amostras de toda a área. Foram iniciadas também ações de apoio aos animais sobreviventes com instalação de cochos para a distribuição de alimentos e água em 165 pontos. Por estarem debilitados, muitos andaram quilômetros em busca de água e alimentos e se concentravam próximos aos pontos instalados pelo Sesc Pantanal.
A boa notícia é que essa grande concentração de animais não foi mais avistada no último mês, mostrando que os animais começaram a conseguir retirar da própria natureza os alimentos dos quais necessitam. A queda do número de registros de animais nos cochos, que passou de 300 semanais para 30, permitiu o início da retirada dos cochos e da distribuição de alimentos.
Nesses cochos, foram depositadas mais de 30 toneladas de alimentos. "Toda intervenção foi feita de maneira cautelosa e monitorada. Hoje, não avistamos mais nenhum animal debilitado, como ocorreu em 2020, e esse 'desmame' foi possível por conta do início das chuvas", destaca.
Transição do Pantanal
O crescimento da vegetação e o surgimento das frutas, porém, não significa que a área recuperou o estado anterior ao fogo, afirma a pesquisadora. "Este é um momento de transição e estruturação da paisagem. Vemos água em todos os lugares e ela é essencial para todas as espécies e para a produção de frutos. Porém, não falamos ainda em recuperação, mas em transformação e reestruturação da área. Ainda é preciso monitorar como a situação evoluirá porque o fato de ver vida animal e vegetal não significa que isso se manterá no futuro", alerta Gabriela.
Uma das preocupações é a possibilidade de muitas fêmeas de uma mesma espécie terem morrido no incêndio, o que prejudica a recuperação da população na área. Outro exemplo foi a grande mortalidade dos animais pequenos. "O ciclo de vida não volta da mesma forma após o incêndio. Por isso é tão importante o combate, pois não dá para ter um fogo dessa dimensão todo ano. Uma hora a natureza não vai aguentar tanto impacto, o que resulta em extinção de espécies", diz.
A vantagem na RPPN, completa Gabriela, é o baixo impacto causado por humanos. "Com isso, a vida volta ao normal em um tempo menor. Se houvesse uma pressão humana maior, teríamos outro cenário com uma frutificação e a reprodução dos animais mais lentas", avalia.
As pesquisas realizadas na RPPN Sesc Pantanal devem colaborar especialmente para a tomada de decisões em todo o Pantanal, afirma a superintendente do polo socioambiental Sesc Pantanal, Christiane Caetano.
"Com as ações de combate ao fogo pela brigada do Sesc Pantanal e o investimento em pesquisas, poderemos dar uma resposta para a sociedade sobre a real proporção do que foi afetado no bioma. O histórico das pesquisas realizadas há 24 anos na RPPN colabora para este momento de transição, pois temos dados históricos e atuais e com eles podemos projetar os impactos a longo prazo", declara a superintendente.
Pesquisas sobre a fauna e a flora
Há duas pesquisas em andamento no Sesc Pantanal na RPPN. A pesquisa sobre a fauna é realizada em parceria com o GEVS e apoio do Instituto Curicaca e busca conhecer os impactos dos incêndios para a vida animal nas diferentes paisagens do Pantanal. Os resultados serão divulgados em breve. Nos próximos anos, a recuperação das populações de algumas espécies será monitorada com o uso de armadilhas fotográficas e drones.
A RPPN também recebeu recursos do Projeto Estratégias de Conservação, Restauração e Manejo para a Biodiversidade da Caatinga, Pampa e Pantanal (GEF Terrestre), do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) para as pesquisas sobre a flora. Ao todo, serão R$ 552.448,40 revertidos na recuperação ambiental de 23 hectares do bioma pantaneiro, resultado do projeto de autoria da Mupan – Mulheres em Ação pelo Pantanal.
Já o projeto "Recuperação de florestas ribeirinhas pantaneiras: beneficiando água, solo, peixes e populações do entorno da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Sesc Pantanal" é uma parceria com a Mupan, Wetlands International Brasil, Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP), Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas (INAU) e o próprio Sesc Pantanal.