Por Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, Colunista de Plurale (*)
A tragédia volta a se abater sob Brumadinho, em Minas Gerais, um território que vivencia desde o crime corporativo de 2019 uma ampliação da violação sistemática de direitos de sua população e comunidades. Essas novas tragédias, essas novas ondas assassinas, vem das enchentes deste início de 2022.
Há fortes indícios de não são apenas as águas, por si próprias, que teimam em sair dos leitos dos rios e causar devastação. Muitas desconfianças pairam sobre as águas mais turvas e mais mal cheirosas que devastaram Brumadinho e arredores, várias outras cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Em comum, essas cidades tem o Rio Paraopeba e a vivência direta e/ou indireta das externalidades negativas da mineração nas Minas Gerais. Não se sabe ainda o quão contaminadas com rejeitos de mineração estão essas águas, multiplicando os riscos e o sofrimento daqueles que tudo perderam e, agora, vão vivenciar doenças decorrentes dessa nova lama assassina misturada com as águas das enchentes.
Diante da tragédia das enchentes deste ano, políticos que dizem para si mesmos e para o povo que inauguraram um novo jeito de governar, reeditam fórmulas para lá de antigas nas Terras Gerais: demagogia na “ajuda ao povo sofrido” diante das catástrofes e diálogos muito amigáveis, e longe da mídia, com as corporações mineradoras, para flexibilizar a já muito elástica regulação da atividade minerária em nosso estado.
Nesse 2022, essa antiga demagogia política recebeu uma pitada de verniz pós-moderno, com um desses oportunistas políticos dizendo que as mazelas de Minas Gerais são responsabilidade dos ambientalistas. É a chamada retorsão do argumento, com a expectativa de que essa jogada argumentativa, no turbilhão de fake news e negacionismos de toda ordem no espaço público contemporâneo, possam levar os corações e mentes da sofrida população mineira a acreditar que ambientalistas são responsáveis por tragédias climáticas, naturais e derivadas da má gestão humana dos empreendimentos corporativos e do Estado.
O povo sofrido, desamparado, atravessado por estratégias deliberadas e não deliberadas de desinformação sobre desastres em barragens de mineração que poder ser crimes ambientais e oferecem risco à vida, acabou por se mobilizar para se ajudar. Um belo espetáculo de solidariedade, auto-organização, compaixão, empatia e sentido de urgência aconteceu em Brumadinho e diferentes cidades de Minas Gerais e também da Bahia com as enchentes de 2022. Jipeiros, associações comunitárias, pessoas de diferentes matrizes religiosas e espiritualidades, ONGs internacionais, nacionais e locais e lideranças das comunidades se mobilizaram para arrecadar e distribuir doações, chegando em lugares que o Estado quase nunca aparece para construir uma vida cidadã altiva.
Mas, o Bem-Viver nos territórios não é construído apenas pelo ativismo dos homens e mulheres por si só. A máxima neoliberal de Margareth Tatcher, para a qual “não existe mais sociedade, apenas indivíduos”, é uma falácia que nem conseguia convencer os próprios neoliberais. A sociedade é feita das pequenas ações cotidianas, das redes de interações e relações que ultrapassam esse cotidiano e por estruturas nas quais a vida social se reproduz ao mesmo tempo em que ajuda a fazer continuar as estruturas sociais.
Se as estruturas da governança da mineração no Brasil e nas Minas Gerais não se transformarem de forma mais rápida e radical em direção à democratização, transparência e controle social, toda a beleza e altivez da compaixão e solidariedade postas em ação pelas comunidades este ano servirá apenas para aliviar novas tragédias anunciadas ano a ano. As terras devassadas pelo extrativismo deixam as águas fugirem de seu curso, como a lembrar aos homens e mulheres dos malefícios que a vida humana tem feito ao planeta.
A aurora de novos tempos está aí, nos “Belos Horizontes” que as montanhas de Minas nos convidam a auspiciar o espírito. Nascemos com o sonho de liberdade, que está na bandeira de nosso estado. Nos nossos tempos, precisamos urgentemente nos libertarmos das lamas assassinas que assolam as Terras Gerais.
(*) Téo
Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, Colunista de Plurale
Doutor em Administração
Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC Minas
Nascido em Belo Horizonte, criado em Brumadinho, ou seja, um “Filho de Brumadinho”
(*) Este é um artigo de opinião, de inteira responsabilidade do autor, e não, necessariamente, reflete a posição de Plurale acerca dos assuntos comentados no texto.