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Análise do desempenho da mobilidade urbana em cidades brasileiras

Marcus Quintella*

Marcelo Sucena**

É fato que algumas metrópoles brasileiras cresceram sem o devido planejamento urbano, apesar da existência de legislação adequada e moderna e do incremento da consciência dos preceitos da sustentabilidade.

Nesse quesito, destaca-se a dificuldade das grandes cidades em gerirem a mobilidade urbana, permitindo o deslocamento de pessoas com qualidade. Diante desse obstáculo, que, segundo a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), custa R$ 483,3 bilhões anuais, inserem-se os conceitos da sustentabilidade, que estimulam, dentre outros quesitos, a priorização do transporte público sobre o individual.

Para se ter ideia do desempenho de algumas cidades brasileiras nessa questão, a FGV Transportes gerou uma simulação com dez metrópoles: Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Salvador, Brasília, Fortaleza, Campinas e Porto Alegre. Foram utilizados os seguintes critérios (variáveis) para análise de desempenho da mobilidade urbana das cidades: tempo médio de espera pelo transporte, no início da viagem; distância média de caminhada até acessar o transporte para o início da viagem; taxa de motorização; população da cidade; tempo médio de viagem até o destino; e distância média das viagens.

Diante da pesquisa para coleta de dados observou-se a ausência de valores de algumas métricas para grandes capitais, pouca oferta de dados atualizados para 2021/2022 e reduzida amplitude de análise, o que impacta na apropriação de poucas métricas sobre mobilidade urbana.

Os dados utilizados foram capturados das seguintes fontes: Moovit Insightsm (estatísticas do transporte público por país e cidade, para 2020); MobiliDADOS (plataforma do Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento - ITDP, com indicadores e dados abertos de 2021); e Pesquisa Nacional de Mobilidade Urbana 2021 (Pemob 2021), realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional.

O método utilizado para análise das cidades foi a Data Envelopment Analysis (DEA), que é uma técnica multivariável e não-paramétrica para análise de desempenho de unidades de decisão, denominada DMU (Decison Making Unit). Pelo uso da DMU, não se pode inferir sobre a população observada, pois a análise é efetuada de forma comparativa. É uma técnica de otimização baseada em programação matemática, que permite avaliar unidades que necessitam de insumos (entradas) para gerarem produtos (saídas).

No trabalho em questão, foram adotadas quatro variáveis de entradas: tempo médio de espera pelo transporte no início da viagem (TEsp-I1); distância média de caminhada até acessar o transporte para o início da viagem (DCam-I2); taxa de motorização (TxMot-I3); e população da cidade (Pop-I4). Os dados de saída são os seguintes: tempo médio de viagem até o destino (TViag-O1) e distância média das viagens (Dviag-O2).

Dessa forma, foram conseguidos os seguintes resultados: otimização da utilização das entradas; apontamento dos níveis de insumos ou produtos que podem ser melhorados; e indicação de quais cidades são referências para outras cidades.

Os dados básicos utilizados na simulação, para cada cidade brasileira (DMU), estão expressos na tabela a seguir.

DMU

TEsp-I1

(min)

DCam-I2

(m)

TxMot-I3

(veic./103 hab.)

Pop-I4

(un)

TViag-O1

(min)

Dviag-O2

(km)

Rio de Janeiro

20

923

2.881.425

6.775.561

67

12,41

Recife

31

548

660.453

1.661.017

64

8,75

São Paulo

18

1.034

8.507.507

12.396.372

63

7,33

Belo Horizonte

25

996

2.290.430

2.530.701

61

7,98

Curitiba

16

1.364

1.552.584

1.963.726

59

8,45

Salvador

28

456

929.896

2.900.319

56

8,3

Brasília

23

1.140

1.894.859

3.094.325

61

12,02

Fortaleza

23

559

1.110.155

2.703.391

55

6,32

Campinas

26

562

881.542

1.223.237

51

8,16

Porto Alegre

22

915

842.512

1.492.530

47

8,21

As simulações das DMUs foram realizadas pelo modelo CCR, desenvolvido no trabalho original dos pesquisadores Charnes A., Cooper W. W. e Rhodes E., em 1978, que permite avaliação objetiva da eficiência global e identifica as fontes e estimativas de montantes das ineficiências identificadas. Nesse modelo, consideram-se os retornos constantes de escala, com orientação para as entradas ou para as saídas.

Na DEA, as eficiências são calculadas de forma comparativa, ou seja, a DMU mais produtiva serve de referência para as demais, que tem a sua eficiência calculada a partir dela. Dessa forma, a primeira simulação apontou Recife como cidade referência, numa comparação a Belo Horizonte, que foi a única cidade com desempenho inferior às demais (91,4%). Esse valor refere-se ao quanto Belo Horizonte se aproxima da cidade referência, nesse caso, Recife.

As outras cidades que indicaram os melhores desempenhos apresentaram pesos com “valores zero” para parte substancial das entradas, o que pode denotar certa imprecisão nos resultados. Nesses casos, podem ser citadas as cidades do Rio de Janeiro, Recife, Curitiba e Campinas, que apresentaram três das quatro entradas com valor zero, ou seja, não foram consideradas para a análise de otimização da mobilidade.

Utilizando-se os mesmos parâmetros da simulação anterior, apenas excluindo a variável de entrada Pop-I4, para não a considerar passível de minimização diante do perfil de crescimento da população, Belo Horizonte continua se apresentando com o desempenho menor (83,6%) em relação às demais. Entretanto, nesse caso, Campinas entra na mesma condição, mas com valor melhor (97,7%) que Belo Horizonte. Das três variáveis de entrada processadas, em duas cidades ocorreram “valores zero” para duas delas, não as considerando para a modelagem: Curitiba e Porto Alegre.

Cabe destacar aqui que os pesos são calculados com o objetivo de maximizar o resultado do desempenho de cada cidade, fazendo com que uma DMU ineficiente fosse ainda maior em qualquer outro cenário. Então, voltando ao primeiro cenário com quatro variáveis de entrada, exceto para o TEsp-I1, todas as outras foram zeradas, o que indica que qualquer valor para elas piora ainda mais o seu desempenho. Esse fato pode indicar preocupação para a cidade que carece de investimentos em mobilidade, para serem minimizadas a distância média de caminhada até acessar o transporte para o início da viagem e a taxa de motorização, proporcionando transporte público em rede com maior capilaridade para a melhoria desses aspectos.

Tomando-se, então, Belo Horizonte como a cidade com pior desempenho da mobilidade urbana, para as condições de contorno estabelecidas na modelagem, pela análise do benchmark, as cidades com melhores desempenhos, que servem de referência para Belo Horizonte, são Recife, Curitiba e Rio de Janeiro, sendo a primeira a melhor referência positiva, como abordado anteriormente.

Para análise dos resultados, foi adotado também o Desempenho Invertido (DI), que representa uma visão mais pessimista em relação à análise da primeira simulação, com o Desempenho Padrão (DP). O Desempenho Composto (DC), quando normalizado, expressa um valor único para cada cidade, considerando os valores padrão (resultado da primeira simulação) e os valores invertidos, dado pela seguinte expressão: DC = DP + (1 - DI) ÷ 2.

Assim, a tabela a seguir apresenta os valores de DC normalizados, na qual destaca-se que Rio de Janeiro e Brasília são caracterizadas com maiores capacidades de transformarem seus recursos em melhores mobilidades.

DMU

DC normalizado

Rio de Janeiro

1,00

Brasília

0,89

Recife

0,84

São Paulo

0,84

Curitiba

0,84

Salvador

0,84

Fortaleza

0,84

Campinas

0,84

Porto Alegre

0,84

Belo Horizonte

0,77

Sistema BRT no Rio de Janeiro- Foto de Fernando Frazão/ Agência Brasil

Rio de Janeiro, cidade destaque na tabela anterior, é caracterizada por inúmeros desafios na mobilidade urbana, principalmente para adequação aos preceitos da sustentabilidade. Um dos aspectos destacados em estudo do ITDP, “O Carioca e o Transporte na Cidade”, desenvolvido no primeiro ano da pandemia do Covid-19, aponta que 81% da Região Metropolitana do Rio de Janeiro está distante dos modos troncais trem, metrô e barcas, bem como dos modos de médias capacidades, VLT e BRT.

Diante desse afastamento das pessoas dos pontos de embarque para os modos com maiores capacidades de movimentação, encontra-se a necessidade de aperfeiçoar a integração, como por exemplo, com a ampliação de infraestrutura cicloviária e a adequada manutenção das condições das calçadas. O mesmo estudo indica também que ambos modos devem ter incremento na segurança dos deslocamentos, principalmente nas intervenções críticas, àquelas áreas com grande fluxo de pedestres ou entornos escolares. Nessa questão, o estudo registra ainda que a atual infraestrutura cicloviária da cidade do Rio de Janeiro está disponível para apenas 19% da população, e mais próxima de pessoas com maior renda, isto é, acima de três salários mínimos. Esse valor é melhor apenas que Belo Horizonte, que apresenta 11% de disponibilidade dessa opção de micromobilidade, denotando campo fértil para projetos que permitam a inclusão eficiente de pessoas aos sistemas de transportes.

Belo Horizonte, como citada anteriormente, é uma cidade com gravíssimos problemas de mobilidade urbana, com engarrafamentos espalhados por toda a cidade na maior parte do dia. Apresenta limitação do sistema metroviário, que é pendular, não atendendo aos principais bairros da cidade. O sistema de ônibus é deficiente e o BRT tem muitas restrições de acessibilidade. O estudo “O Belorizontino e o Transporte na Cidade”, do ITDP, também estruturado em 2020, ratifica essa condição, anotando que 92% da população da Região Metropolitana está distante desses modos de transportes, formando concentrações e desigualdades de acesso a eles.

Brasília, observada na tabela anterior com a segunda melhor condição de mobilidade urbana, é uma cidade com forte dependência do transporte individual, porém sem congestionamentos relevantes. Não há transporte público acessível e integrado. Existe sistema de ônibus urbanos, alguns biarticulados, sem vias segregadas, ou seja, compartilham seus movimentos com veículos particulares que transportam, na maioria das vezes, apenas os próprios motoristas. O metrô atende apenas algumas cidades satélites e tem característica pendular, dificultando o acesso a ele.

Como se pode observar nas três cidades destacadas, ainda há muito para melhorar na gestão das metrópoles. A melhoria dos modos dos transportes públicos, não somente nos sistemas em si, mas também no aperfeiçoamento da integração com os outros modos, é o ponto inicial de estímulo para a desistência do transporte individual motorizado.

Além disso, a inclusão constante de veículos de maiores capacidades, tais como os sistemas metroferroviários, integrando-os fisicamente às ciclovias e ciclofaixas, podem interferir fortemente na redução dos impactos ambientais que afetam diretamente a toda sociedade, com destaque para a mitigação de emissões de poluentes no ar, de ruídos e redução de acidentes rodoviários.

Por fim, vale destacar ainda que o planejamento deve ser baseado na Política Nacional de Mobilidade Urbana, apresentada na Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012, na qual estão caracterizados alguns princípios básicos, dentre eles os ressaltados aqui: a necessidade da acessibilidade universal, a equidade (e não a igualdade) no acesso ao espaço e ao transporte público e a segurança nos deslocamentos das pessoas.

Planejar a mobilidade urbana é pensar na cidade, principalmente no que tange aos sistemas de transporte e o uso do solo. Planejar a cidade é pensar na saúde e na qualidade de vida do cidadão.

* Marcus Quintella é doutor em engenharia de produção pela Coppe/UFRJ, mestre em transportes pelo IME e diretor da FGV Transportes.

** Marcelo Sucena é doutor em engenharia de transportes pela Coppe/UFRJ, mestre em transportes pelo IME e pesquisador sênior da FGV Transportes.

“Este artigo expressa a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião institucional da FGV”







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