Atenção

Fechar

Artigos e Estudos

PLURALE EM REVISTA 80 - A problemática da mobilidade urbana sustentável nas cidades brasileiras

Por Marcus Vinícius Quintella, Colunista de Plurale (*)

A mobilidade urbana pode ser definida como o ambiente propício para que as pessoas possam se deslocar com facilidade nas cidades, de forma ampla, integrada, segura e econômica, para alcançar seus objetivos de trabalho, educação, comércio, saúde e lazer, entre outros - com a utilização de todos os modos de transporte possíveis, tais como ônibus, BRT, trem, metrô, monotrilho, VLT, barca, elevador, teleférico, bicicleta, motocicleta, automóvel, táxi e a pé.

Já o conceito de mobilidade urbana sustentável tem relação direta com o meio de transporte utilizado, visto que sempre deve prevalecer a abrangência dos percursos e a forte preocupação com a mitigação dos impactos ambientais causados por emissões de poluentes na atmosfera: excesso de ruídos, congestionamentos, acidentes e outros malefícios. Para ser caracterizada como sustentável, a mobilidade urbana precisa ser planejada para longo prazo, de forma eminentemente técnica, sem vieses políticos e partidários, privilegiando sempre os transportes coletivos, as ciclovias, as calçadas e a energia limpa, entre outras medidas que produzam melhor locomoção e boa qualidade de vida.

Com base nessa visão, as médias e grandes cidades brasileiras não se encaixam dentro do conceito de mobilidade urbana sustentável; pelo contrário, estão muito aquém de tudo aquilo que os especialistas preconizam como soluções adequadas. Em sentido lato, cidades de médio e de grande porte devem dispor de uma “espinha dorsal” de transportes sobre trilhos - ou seja, transportes de massa de grande capacidade, para atender os corredores de altas demandas (trem e metrô), com alimentação e complementaridade por pneus, trilhos leves e outros. Ou seja, transporte de média e de baixa capacidade para corredores e zonas de média e baixa demanda (ônibus, BRT, VLT, monotrilho, barca, teleférico), além de ciclovias, ciclofaixas, estacionamentos nos grandes terminais de integração intermodal, sistema viário competente, semaforização inteligente, gestão centralizada de tráfego, calçadas seguras e acessíveis, além da segurança pública, entre outras facilidades para a locomoção das pessoas, com incentivo ao transporte público e ao modo a pé.

Para se ter ideia do desempenho de algumas cidades brasileiras na questão da mobilidade urbana, a FGV Transportes gerou uma simulação com dez metrópoles: Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Salvador, Brasília, Fortaleza, Campinas e Porto Alegre. Foram utilizadas as seguintes variáveis para a análise de desempenho da mobilidade urbana das cidades: tempo médio de espera pelo transporte, no início da viagem; distância média de caminhada até acessar o transporte para o início da viagem; taxa de motorização; população da cidade; tempo médio de viagem até o destino; e distância média das viagens. Nessa simulação, Belo Horizonte teve o pior desempenho e foi classificada como uma cidade com gravíssimos problemas de mobilidade urbana, com engarrafamentos espalhados por toda a cidade, na maior parte do dia. O Rio de Janeiro, por sua vez, foi caracterizado por inúmeros desafios na mobilidade urbana, principalmente para adequação aos preceitos da sustentabilidade.

Um estudo do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), “O Carioca e o Transporte na Cidade”, desenvolvido no primeiro ano da pandemia do COVID-19, aponta que 81% da Região Metropolitana do Rio de Janeiro está distante dos modos troncais de trem, metrô e barcas; e também dos modos de média capacidade, como VLT e BRT. Diante dessa distância das pessoas em relação aos pontos de embarque para os modos de maior capacidade de movimentação, encontra-se a necessidade de aperfeiçoar a integração - por exemplo, com a ampliação da infraestrutura cicloviária e com a adequada manutenção das condições das calçadas.

No Brasil, a mobilidade urbana sustentável tem uma legislação avançada, que possibilita a implementação de políticas públicas favoráveis, lastreadas nas seguintes leis: Lei 12.587/12, que rege as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU); Lei 13.089/15, conhecida como Estatuto da Metrópole; e Lei 13.683/18, que trouxe pequenas alterações nas duas leis anteriores.

Entretanto, a PNMU ainda precisa ser totalmente aplicada, visto que a lei estabelece o Plano de Mobilidade Urbana (PMU), que deve ser realizado no âmbito municipal e incorporar os princípios da mobilidade sustentável, com foco no transporte coletivo e não motorizado. Desde abril de 2015, o PMU passou a ser requisito para que os municípios com mais de 20 mil habitantes possam receber recursos orçamentários federais destinados à mobilidade urbana. No entanto, até o momento, segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), apenas 1.391 cidades enviaram informações ao Departamento de Projetos de Mobilidade e Serviços Urbanos (DEMOB), Esse número equivale a 68,7% do total dos 2.024 municípios obrigados por lei a aprovar o PMU. Por outro lado, somente 357 municípios finalizaram o PMU, dos quais 336 (16,6%) estavam obrigados por lei a concluir o plano.

Não há dúvida alguma de que o planejamento da mobilidade urbana deve ter como base a PNMU, na qual estão caracterizados alguns princípios básicos. Dentre eles estão a necessidade da acessibilidade universal; a equidade (e não a igualdade) no acesso ao espaço e ao transporte público; e a segurança nos deslocamentos das pessoas.

O título deste artigo remete à problemática da mobilidade urbana sustentável das cidades brasileiras, devidamente levantada desde o primeiro parágrafo. Não obstante, toda problemática requer uma “solucionática”, como disse o lendário jogador de futebol Dadá Maravilha, há mais de 40 anos. Por certo, a “solucionática” está apresentada ao longo do texto, mas existem muitas barreiras orçamentárias e entraves políticos que atrasam ou dificultam os projetos de mobilidade urbana.

Além das soluções de implementação de modos de transporte de capacidade compatível com as demandas a serem atendidas, apresentadas anteriormente, a mobilidade sustentável precisa contar com projetos inteligentes para a melhoria do trânsito, que desestimulem o uso do transporte individual, especialmente nas zonas centrais; flexibilização dos horários das atividades urbanas de comércio, escolas e repartições públicas; integração física e tarifária entre todos os transportes públicos; política de subsídios para o transporte de massa; e comando centralizado, por meio de autoridade metropolitana única.

Planejar a mobilidade urbana sustentável é pensar na cidade, principalmente no que tange aos sistemas de transporte e ao uso do solo. Planejar a cidade é pensar na saúde e na qualidade de vida do cidadão.

(*) Marcus Quintella é doutor em engenharia de produção pela Coppe/UFRJ, mestre em transportes pelo IME, pós-graduado em administração financeira pela FGV e engenheiro civil pela Universidade Veiga de Almeida. Atualmente é diretor da FGV Transportes, editor-chefe da Revista Brasileira de Transportes - RBT e coordenador acadêmico dos cursos de MBA da FGV.







Veja também

0 comentários | Comente

 Digite seu comentário

*preenchimento obrigatório



Ninguém comentou essa notícia ainda... Seja o primeiro a comentar!

Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.