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Sinais do tempo

Por Christian Travassos, economista (Puc-Rio) e mestre em Ciências Sociais (CPDA/UFRRJ)

Foto da Agência Brasil.

Em condições normais de temperatura e pressão, não há certezas na economia. Quando surgem, vale aproveitar. Uma delas, e já faz tempo, são as mudanças climáticas. Se ainda restavam dúvidas, esse inverno no Brasil, verão no Hemisfério Norte, não deixou mais margem. Nem as recorrentes justificativas atribuídas aos efeitos do El Niño na América do Sul ganham mais aderência à escalada dos fatos. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o inverno 2023 foi o mais quente dos últimos 60 anos.

A temperatura global está aumentando 0,2°C por década, e o aquecimento induzido pela ação humana chegou a 1°C acima dos níveis pré-industriais. Nesse ritmo, é possível chegar a um incremento de 1,5 °C por volta de 2040, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

O fenômeno pode reduzir a produção agrícola em até 11 milhões de hectares na década de 2030, além de prejudicar a produção de gêneros de primeira necessidade. O recente ciclone no Rio Grande do Sul e as enxurradas que devastaram cidades no Sul, Sudeste e Nordeste brasileiros nos últimos anos provam que os prejuízos crescem em frequência, abrangência e magnitude, em compasso com a elevação dos termômetros.

Era de extremos: excessos aqui, escassez acolá. O aquecimento global também terá impacto na capacidade de produção de energia pelas hidrelétricas localizadas nas bacias das regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil. Maior reserva de água doce do mundo, o país poderá ter que lidar com secas em lugares hoje impensáveis.

As alterações são generalizadas e rápidas, em curso na atmosfera, nos oceanos, na biosfera, levando a extremos climáticos, causando perdas sem precedentes. Por ironia do destino, as comunidades mais pobres e vulneráveis, que menos contribuíram historicamente para a mudança, são também as mais afetadas.

A plataforma AdaptaBrasil, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, apresenta níveis de risco climático a partir de cálculos que consideram três dimensões: ameaça climática, exposição e vulnerabilidade. As informações contribuem para a tomada de decisão e o planejamento dos agentes. Há indicadores e análises de risco para todos os 5.570 municípios brasileiros sobre recursos hídricos, seguranças energética e alimentar, infraestrutura, saúde e desastres geo-hidrológicos.

No cronograma de trabalho, o próximo tema a ser incorporado será o de impactos econômicos da mudança do clima no Brasil. O setor de saúde deverá receber informações sobre a incidência de doenças vetoriais, como dengue e febre amarela – sobre malária já há dados. O setor de infraestrutura será incrementado com dados sobre ferrovias e rodovias – portos já estão contemplados.

As cidades precisam avançar no reconhecimento desses eventos e se preparar: realizar diagnósticos sobre eventos climáticos extremos em seus perímetros, aumento do nível do mar e de bacias, temperaturas extremas, inundações e secas. Compreender como esses riscos podem afetar a infraestrutura, a economia, a saúde e o bem-estar da população.

Para os casos em que as soluções não cheguem a tempo, como em geral ocorre em Pindorama, os sistemas de monitoramento e alerta ajudam a reduzir os impactos de eventos extremos, ainda que a prevenção seja mais eficiente. Planos de resposta a emergências climáticas, incluindo evacuação, abrigo e assistência médica, costumam compor o modus operandi reativo por aqui frente às catástrofes. SOS.

As respostas ao aquecimento global já foram vistas como assunto indesejado puxado por eco-chatos e “colegas da secretaria de Meio Ambiente”. Engano, sempre foram e seguem sendo transversais. As medidas perpassam os mais diversos setores: planejamento urbano, construção civil, Políticas Públicas, em geral, produção e consumo. Infraestrutura, sistemas de água e esgoto, transporte público, redes de energia e telecomunicações precisam ser cada vez mais pensadas à luz de dados e fatos.

A pressão de ONGs e sociedade civil tem sido fundamental para regulamentações que exijam – ou pelo menos favoreçam – construções resistentes ao clima, zoneamento apropriado para áreas suscetíveis a inundações e deslizamentos, criação de espaços verdes e áreas de drenagem.

Em paralelo ao planejamento de uma infraestrutura mais adequada a esse novo tempo, é necessário adaptar a existente: tornar imóveis antigos mais resistentes a fenômenos climáticos extremos e mais eficientes do ponto de vista energético. Permitir zonas de “respiro” nas cidades, tomadas por asfalto e concreto, impermeáveis a volumes recordes de chuvas concentrados em poucas horas.

Prova da influência da regulação é o avanço recente da energia solar no país. A mudança regulatória criou a modalidade de geração remota: a empresa fornecedora agrega à rede a energia gerada pelas células e os créditos são abatidos da conta do consumidor, que ainda fica livre da bandeira tarifária. Com esse reforço, a energia solar tornou-se nossa segunda maior fonte elétrica, e o Brasil entrou para a lista dos dez países que mais geram energia dessa forma no mundo.

Outra frente são sistemas de transporte público mais eficientes, a construção de ciclovias e calçadas acessíveis para reduzir a dependência de veículos motorizados e, assim, as emissões de carbono.

Na raiz das soluções, ela, sempre ela: a educação. Para que todas essas medidas sejam pensadas, patrocinadas, executadas e respeitadas, gestores públicos, formadores de opinião, empresários e população precisam ter a dimensão da emergência climática.

Ao investir numa operação mais sustentável, uma empresa não apenas reduz os riscos numa dimensão local, mas ainda desempenha um papel global importante. Isso também vale para a decisão do consumidor ao separar seu lixo em casa ou optar por um alimento menos processado, mais saudável e ecológico no supermercado.

Por ser um país em desenvolvimento e notoriamente desigual, o Brasil precisa conjugar agendas. A questão climática deveria ser central para todos os países, mas isso vale de modo particular para nós. Há regiões do país vitimadas por seca extrema, enquanto outras registram enxurradas recordes. Não estamos em condições normais de temperatura e pressão.







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