André Heller-Lopes, diretor de cena; Marcelo Marques, mestre dos figurinos; e o cenógrafo Renato Theobaldo estreiam a emocionante “Rusalka”, obra-prima de Dvorák, na capital das Ilhas Canárias, no dia 5 de março, com direito a récitas nos dias 7 e 9 de março
Por Maurette Brandt, Especial para Plurale
Fotos de Divulgação - Ópera de Tenerife
O nome da ópera provém da mitologia eslava, na qual uma “rusalka” é uma antiquíssima figura dos contos de fadas; um espírito da água, que vive em lagos ou rios. Como espírito elemental, é um ser ligado ao corpo e ao sangue do mundo humano - e também, em função de lhe faltar uma alma, ao mundo dos espíritos. Seu maior sonho é converter-se em um ser humano e poder amar como uma mulher terrena, até pagar o preço do sofrimento e da morte.
Composta por Antonín Leopold Dvorák em 1900, Rusalka se converteu na mais popular das dez óperas do autor e conquistou reputação internacional. Talvez uma das razões para o sucesso seja a aclamada “Canção da Lua”, na qual a triste Rusalka pede à Lua em súplica, numa noite enluarada, que realize o seu sonho de se tornar uma mulher e conhecer o amor.
Com produção da Ópera de Tenerife e direção de cena do brasileiro André Heller-Lopes, veterano de vários palcos brasileiros e internacionais, e com figurinos assinados pelo também brasileiro e premiado Marcelo Marques, além dos cenários de Renato Theobaldo, outro brasileiro coroado nos palcos daqui e da Europa, Rusalka sobe ao palco da Ópera de Tenerife para três récitas inesquecíveis. A primeira será nesta terça, dia 5 de março, seguida por mais duas, nos dias 7 e 9. A direção musical está a cargo do maestro francês Paul Daniel, que atuou como diretor musical de orquestras como English National Opera (1999-2005), Orquestra Nacional Bordeaux Aquitaine, Orquestra Sinfônica da Austrália e Real Filarmonía da Galícia, entre outras formações relevantes.
No papel de Rusalka está a soprano espanhola Ángeles Blancas, que estreou com Plácido Domingo e tem uma consistente carreira na Europa, marcando presença em vários teatros, como o Covent Garden (Londres), Teatro del Liceu (Barcelona) Teatro Real (Madrid) e muitos outros. No papel do misterioso Vodnik, o pai de Rusalka, está o baixo Vazgen Gazaryan, de origem armênio-alemã. O mexicano Rodrigo Porras vive o príncipe amado por Rusalka; no papel da princesa estrangeira, está a soprano vienense Magdalena Anna Hoffmann. A eletrizante feiticeira Jezibaba é vivida pela soprano gabanesa Adriana Bignani Lesca.
Completam o elenco a soprano armênia Julieta Aleksanian (primeira ninfa), a mezzosoprano espanhola Carmen Artaza (segunda ninfa), a mezzosoprano inglesa de origem armênia-israelense Maria Schellenberg (terceira ninfa), o barítono tcheco Jirí Brückler (caçador e guarda do bosque) e a mezzosoprano ucraniana Nicole Chirka (ajudante de cozinha).
Rusalka: um mundo de poucas águas e muitos sonhos
Notas do diretor de cena
- Os rios secam, os bosques ardem e o mundo se consome em guerras. Nada disto é coisa de contos de fada; seria mais fácil imaginar pesadelos com tais cenários. E ainda assim aqui estamos, tentando devolver a arte às nossas vidas; a música e a beleza, como formas de combater a brutalidade – diz, no programa do espetáculo, o diretor de cena, André Heller-Lopes.
– Quero contar a história de Rusalka – ou melhor, recontá-la, imaginá-la de novo – ressalta. – Não se deve falar apenas sobre o conto da pequena sereia, ou sobre a lenda da Ondina, tal como surgiram desde o coração do Romantismo, mas sim como algo mais próximo da realidade. E se invertêssemos a lógica da história e entendêssemos o mundo do príncipe como o da fantasia, do amor ideal (e, portanto, impossível) e o mundo de Rusalka como a realidade? – propõe.
- Eu queria ver Rusalka como uma pessoa normal, um ser humano apaixonado como qualquer um de nós - continua. - Uma intérprete no palco de um teatro vazio, onde vemos um “bosque” formato por estantes de partituras, cadeiras, pequenas luzes e instrumentos. E que, num espaço assim, sonha como esse amor romântico e imagina que ele lhe trará a felicidade absoluta – completa.
André Heller-Lopes - Diretor de Cena
Destacado pela revista Época como um dos “100 brasileiros mais influentes de 2012”, conquistou por três vezes o Prêmio Carlos Gomes como Melhor Diretor Cênico, com as óperas O Cavaleiro da Rosa, Ariadne em Naxos e Andrea Chénier. Seu Don Pasquale recebeu o prêmio da Associação de Críticos Musicais Argentinos.
Fez seu Doutorado no Departamento de Estudos Latino-Americanos do King’s College, em Londres. É também professor da Escola de Música da UFRJ. Especializou-se na Ópera de São Francisco e na Royal Opera House (Covent Garden).
Foi Coordenador de Ópera da Prefeitura do Rio de Janeiro e também chefe de elenco das óperas da Orquestra Sinfônica Brasileira. Dirigiu o Programa de Jovens Intérpretes do Teatro Nacional São Carlos de Lisboa e foi diretor artístico do Theatro Municipal de Río de Janeiro.
Concebeu a criação de novas óperas e encenou montagens no Brasil e em vários países, como Uruguai, Chile, Argentina, Estados Unidos, Áustria, Inglaterra, Alemanha, França, Polônia, Malásia e Portugal.
Sua versão de Sonho de Uma Noite de Verão, de Benjamin Britten, venceu o Britten 100 Awards e lhe valeu a nomeação para outros importantes prêmios, como o prestigioso Opera Awards (UK, 2014), na categoria de Melhor Encenação de uma Ópera do Compositor.
Seu Tristão e Isolda, criado para o Teatro Amazonas em 2011, foi definido como “um padrão de qualidade operística inédita em nosso país”, pelo jornal O Estado de São Paulo.
Marcelo Marques e a magia dos figurinos de Rusalka
Figurinista, cenógrafo e diretor de teatro, Marcelo Marques celebra, este ano, seus 46 anos de carreira. Seu currículo contabiliza mais de 290 espetáculos teatrais, junto a diretores como Bibi Ferreira, Jorge Takla, Charles Moeller, André Heller-Lopes, Sergio Britto e Marco André Nunes, entre outros.
O artista se dedica aos figurinos operísticos desde 1998. Para o Conjunto Nacional de Canto e Dança da Ópera de Pequim, criou os figurinos do espetáculo Opus Brasil. Sua carreira internacional, iniciada em 1983 na Universidade de Tel-Aviv, inclui óperas para teatros como o Solis de Montevidéu e o Teatro Nacional São Carlos, de Lisboa.
No Brasil, tem trabalhado nos principais cenários e festivais: Festival de Ópera do Teatro Amazonas (Manaus/AM), Palácio das Artes (Belo Horizonte/MG) e Theatro da Paz (Belém/PA), além dos Theatros Municipais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Em 2017 respondeu pela direção, cenografia e figurinos de La Voix Humaine e acaba de dirigir a cenografia e os figurinos da estreia nacional da ópera barroca Armide, de Lully, ambas para o Theatro da Paz (Belém/PA).
Dentre as premiações conquistadas, destacam-se o prestigiado Prêmio Shell, de melhor figurino (2003); Troféu Cesgranrio e Prêmio Pergunta da Crítica (2015); Zilka Salaberry e CBTIJ (2016), de melhor figurino; e o CBTIJ de melhor figurino em 2019. Obteve também Menção Honrosa da Câmara dos Deputados do Rio de Janeiro, honraria concedida aos artistas que, com sua arte, lutaram contra a segregação racial, em 2019; conquistou também, em 2020, o Prêmio Cesgranrio de Teatro pelos figurinos dos espetáculos O Despertar da Primavera e Cole Porter, ambos dirigidos por Charles Möeller.
Em cena, a poética de Renato Theobaldo
Renato Theobaldo iniciou sua carreira como cenógrafo em 1984 e estabeleceu sólida presença nos principais palcos brasileiros, com a criação de mais de 40 cenários para óperas no país.
Destacou-se recentemente na Ópera Wroclawska, na Polônia, onde criou os cenários para as óperas Don Giovanni, Così fan tutte e Le Nozze di Figaro, trilogia histórica da dupla Wolfgang Amadeus Mozart e Lorenzo Da Ponte. Em abril de 2019 criou a cenografia da ópera Aida para o Theatro Erfurt, na Alemanha. Em junho contribuiu com a primeira produção brasileira da ópera V?c Makropulos. A colaboração internacional continuou em 2021, quando estreou como cenógrafo na Ópera Nacional da Estonia, com a produlão de Die Justige Witwe.
Em 2022 e 2023, assinou a cenografia das óperas O Aleijadinho e A Flauta Mágica, apresentadas simultaneamente em Ouro Preto e em Belo Horizonte. Outras contribuições importantes foram os cenários de Don Giovanni, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, assim como a cenografia das óperas The Cunning Little Vixen, para o Theatro São Pedro (São Paulo/SP) e La Fanciulla del West, para o Theatro Municipal de São Paulo.