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Estudo alerta para prejuízos decorrentes do avanço de espécies exóticas invasoras

Paula Guatimosim, do Boletim Faperj

Coral-sol e mexilhão-dourado: exemplos de espécies exóticas invasoras, que por conseguirem se desenvolver mais rápido que as nativas, tornaram-se dominantes nos ecossistemas marinhos locais (Fotos: Reprodução BPBES)

Relatório lançado no início de março pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) oferece uma síntese do conhecimento científico produzido nos últimos 15 anos sobre espécies exóticas invasoras (EEI) no território brasileiro. Elas podem causar prejuízos anuais estimados entre 2 e 3 bilhões de dólares à economia do País. Em escala global, calcula-se em 2,88 trilhões de dólares os gastos relacionados às perdas e ao manejo de espécies exóticas invasoras entre 1970 e 2022.

Ao contrário do que muitos podem pensar, espécies exóticas não são apenas aquelas provenientes de outros países. No próprio território brasileiro, uma espécie nativa da região Nordeste pode ser exótica no Sudeste, por exemplo. Assim, uma espécie é denominada nativa quando está vinculada à região em que ocorre naturalmente e chamada exótica quando é introduzida intencionalmente ou não por ação humana em locais fora da sua área de distribuição natural, se estabelecem, produzem descendentes e se dispersam para novas áreas a partir do ponto de introdução.

O relatório considera que a introdução de plantas, animais e microrganismos fora de sua área de distribuição natural tem sido cada vez maior, em decorrência do aumento do transporte, comércio, viagens e turismo entre diferentes países e continentes. Espécies exóticas invasoras são atualmente reconhecidas como um dos maiores vetores diretos relacionados à perda de biodiversidade e serviços ecossistêmicos, essenciais ao bem-estar humano, juntamente com mudança no uso da terra e do mar, mudanças climáticas, sobre-exploração de recursos e poluição.

A publicação contou com a participação de 73 autores líderes, além de 12 autores colaboradores e 15 revisores de instituições de pesquisa e de órgãos governamentais, representantes do terceiro setor e profissionais autônomos de todas as regiões do Brasil, buscando o equilíbrio de gênero, raça e expertise.

A pesquisadora Andrea Junqueira, professora do Departamento de Biologia Marinha da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora geral do estudo, diz que há casos de introdução intencional de espécies exóticas, como é o caso dos criatórios comerciais de peixes amazônicos, como o tucunaré, ou da tilápia (nativa da África), que nos corpos d’água são de difícil controle e podem escapar para outros locais das bacias hidrográficas, como rios e lagoas, causando desequilíbrio na fauna nativa local. Andrea também alerta para as conexões proporcionadas por instalações de usinas hidrelétricas, que podem juntar cursos de água antes não conectados, misturando espécies de áreas distintas com risco de dominância. Ela contou com bolsa de Iniciação Científica para que uma de suas alunas pudesse contribuir com o estudo, e também compõe outros três grupos de pesquisa apoiados pela FAPERJ.

O relatório lembra que a movimentação dos seres vivos pela ação do ser humano tem sido a fonte mais importante de alterações na distribuição natural de espécies. “Espécies têm sido introduzidas em novos territórios desde as primeiras ondas de migração e deslocamento humano, quando os povos transportavam espécies de uma região a outra, tendo se intensificado com o surgimento das práticas agrícolas e domesticação de animais. A introdução de espécies exóticas está sempre associada à atividade humana, intencional ou não e, nas Américas, tem como marco temporal as Grandes Navegações e invasões europeias, a partir da segunda metade do século XV, consideradas como uma forma sem precedentes de mudança global rumo aos fortes impactos ecológicos”, informa o documento.

Uma das autoras líderes do estudo, Fernanda Araujo Casares, pesquisadora de pós-doutorado no Laboratório de Ecologia Marinha Bêntica do Departamento de Ecologia da Uerj e colaboradora do Instituto Brasileiro de Biodiversidade, chama atenção para o fato de algumas invasões gerarem muito conflito, principalmente quando há interesses econômicos envolvidos. “Em alguns casos, poucos lucram, mas os prejuízos das invasões são sempre partilhados por todos”, alega Fernanda, que defende um amplo diálogo entre os setores envolvidos, visando contornar os conflitos. Doutora em Ecologia, Fernanda contou com bolsa da FAPERJ de Pós-Doutorado Sênior, sob supervisão de Joel Christopher Creed, pesquisador especialista em ecologia e biodiversidade marinha, em especial em costões rochosos e bancos de macrófitas marinhas, estudioso da influência de atividades antrópicas nas comunidades bênticas e o monitoramento e espécies invasoras marinhas. Segundo Fernanda, a melhor forma de controle é a prevenção, mas caso a invasão já esteja estabelecida, o que vai agravar com o passar do tempo, o controle deve ser feito para reduzir o tamanho das populações e evitar a expansão da espécie para novas áreas.

Relatório apresenta síntese do conhecimento científico produzido nos últimos 15 anos sobre as espécies exóticas invasoras no País

A pesquisa também dá o exemplo do conflito gerado a partir do manejo de espécies exóticas invasoras carismáticas, como é o caso dos saguis. O sagui-de-tufo-branco e o de-tufo-preto (Callithrix jacchus e C. penicillata, respectivamente), nativos da Caatinga e Cerrado, hoje são invasores nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, incluindo o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro. Nesse rico habitat eles competem em melhores condições com o sagui-da-serra-escuro (C. aurita), que é nativo e corre risco de extinção. Acostumados à escassez de água e alimentos e menos exigentes quanto ao ambiente, esses saguis, popularmente conhecidos como mico-estrela, aproveitam a abundância da Mata Atlântica e se reproduzem com maior velocidade, podendo inclusive cruzar com um sagui-da-serra-escuro, gerando um descendente híbrido, ou seja, com uma genética que não condiz com uma espécie nem outra e incapaz de se reproduzir. Andrea Junqueira lembra ainda que os cães e gatos abandonados por seus tutores, também animais carismáticos, podem predar aves e pequenos mamíferos, colocando em risco especialmente as Áreas de Proteção Ambiental; além das plantas ornamentais usadas em projetos de jardinagem, que também podem se tornar invasoras.

Bastante conhecidas, entre as espécies exóticas invasoras estão a jaqueira, de origem indiana; o dendezeiro, nativo da África; além de samambaias, bambus e várias gramíneas utilizadas para a formação de pastagens. Entre os mamíferos de grande porte, o javaporco – resultante do cruzamento entre o porco doméstico e o javali – introduzido com objetivo de caça esportiva, escapou das contenções e, sem predador natural, hoje domina e é uma ameaça de norte a sul do País, invadindo florestas brasileiras, espantando animais nativos, pisoteando nascentes e destruindo lavouras. O próprio Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika e chikungunya, é um inseto exótico invasor nativo da África.

No comércio marítimo, o descarte da água de lastro, captada no mar e utilizada para manter o navio estável, foi responsável pela introdução do mexilhão dourado (Limnoperna fortunei), com efeito direto na produção de energia pelas hidrelétricas e na piscicultura. O coral-sol, nativo dos oceanos Pacífico e Índico, foi introduzido a partir de uma plataforma de petróleo e hoje domina os costões rochosos das áreas invadidas na costa brasileira. Há ainda o venenoso peixe-leão, que ultrapassou a barreira natural oferecida pela pluma amazônica, e ameaça espécies marinhas no Nordeste; e a tilápia, que já escapou dos criadouros para o mar e compete com os peixes de estuários. O documento alerta que o lixo é um dos veículos dispersores de muitos patógenos e parasitas e favorece a chegada de novas doenças.

Espécies nativas também podem ser oportunistas e/ou superdominantes. Elas são capazes de aproveitar uma situação de alteração ambiental e competir com as demais espécies nativas por recursos, como energia e espaço, de forma mais vantajosa. Desta forma, conseguem se desenvolver e reproduzir mais rapidamente, podendo causar impactos negativos no ambiente natural.

Embora existam diversas leis federais que abordam questões relacionadas a espécies exóticas invasoras, como as leis de proteção à fauna e à vegetação nativa e de regulamentação das atividades pesqueiras, não há uma lei específica sobre o tema no país. Segundo Andrea, na medida em que as invasões ocorrem, as áreas responsáveis pelas atividades vão estabelecendo restrições e exigências para contornar o problema, que aumenta a cada dia. No caso da água de lastro, por exemplo, a Organização Marítima Internacional já exige tratamento antes do descarte. Em sua opinião, a legislação existente no Brasil é muito pulverizada e o ideal seria que os diversos ministérios – como os do Meio Ambiente, Agricultura, Saúde, por exemplo – atuassem em conjunto para encontrarem soluções para o problema.

Fernanda Casares (à esq.) e Andrea Junqueira: pesquisadoras destacam a necessidade de listar as espécies invasoras e regulamentar o manejo delas nos sistemas produtivos

Andrea também defende a urgência da publicação de uma lista atualizada das espécies invasoras e a regulamentação e o manejo de espécies exóticas em sistemas produtivos no nível regional, além do estabelecimento de meios de controle em áreas prioritárias, como nas Unidades de Conservação. Andrea ainda sugere que seja adotado um protocolo de avaliação de risco para a introdução de espécies exóticas invasoras e recomenda que a educação ambiental focada nesse tema atinja não apenas estudantes, mas também gestores e a população em geral, que, muitas vezes comete erros por falta de conhecimento, como, por exemplo, descartar organismos de aquários no mar.

Em 2004, o Ministério do Meio Ambiente contratou a elaboração do Informe Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras, publicado em 2005 e considerado um divisor de águas para o tema no Brasil. Criada em novembro de 2015, a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos busca colocar as questões de conservação e uso sustentável da biodiversidade e serviços ecossistêmicos no cerne do modelo de desenvolvimento do País. Sua missão é produzir sínteses do melhor conhecimento disponível pela ciência acadêmica e saberes tradicionais sobre Biodiversidade, Serviços Ecossistêmicos e suas relações com o bem-estar humano. O que o Relatório Temático sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos pretende é justamente embasar gestores e tomadores de decisão de diferentes áreas e esferas em medidas de gestão e manejo de espécies exóticas invasoras no território nacional.

Em seus seis capítulos, o Relatório informa o que é e como se dá o processo de invasão biológica (capítulo 1); quais são e onde estão espécies exóticas invasoras no Brasil (capítulo 2); qual a relação entre o processo de invasão por essas espécies e outros fatores relacionados à perda de biodiversidade (capítulo 3); quais os impactos provocados já conhecidos (capítulo 4); o que já está em prática em termos de medidas de manejo (capítulo 5); e quais as opções presentes e futuras de gestão da problemática (capítulo 6). Os principais objetivos do Relatório são apresentar o estado de conhecimento sobre espécies exóticas invasoras no território brasileiro, bem como as tendências e fatores determinantes para processos de invasão biológica em ecossistemas terrestres, marinhos e de águas continentais; descrever os impactos provocados por espécies exóticas invasoras, caracterizando as consequências dos mesmos para a biodiversidade e serviços ecossistêmicos, considerando os vários sistemas de conhecimento e sistemas de valores relacionados; e identificar oportunidades de manejo e opções de governança atuais e futuras para mitigação dos impactos negativos provocados, bem como para conservar a biodiversidade e garantir a provisão de serviços ecossistêmicos.

Acesse o sumário para tomadores de decisão e a versão completa do relatório.







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