É justo comparar a tragédia gaúcha com a inundação catastrófica ocorrida em 1953 na Holanda nas regiões costeiras do Mar do Norte, com a perda de mais de 1.800 vidas. São geografias distintas, embora os dois eventos extremos tenham acontecido pela expansão da água caída do céu ou na subida do nível do mar através de rios, córregos, lagoas e se espraiado pelo baixo relevo do solo e planícies.
A Holanda aprendeu a lição da natureza e aplicou a ciência hidráulica na construção de um sistema que hoje é modelo no mundo. Neste aspecto, a parceria do Ceará com a Holanda, institucionalizada no Porto do Pecém, pode servir de ponte para trazer ao Brasil a colaboração técnica da Autoridade Hídrica (Waterschap) e do Instituto Deltares da Holanda, que faz pesquisa aplicada a questões relacionadas à água.
Os Países Baixos, com cerca de 27% do território abaixo do nível do mar, desde a Idade Média constroem canais, diques, sistemas de drenagem (os moinhos de vento, hoje substituídos por bombas hidráulicas) e aterram áreas no mar - a terra firme dos chamados polders. Hoje, a Holanda é reconhecida por sua expertise em engenharia hidráulica e inovações na gestão da água.
A expertise holandesa pode ajudar na reconstrução das cidades do Rio Grande do Sul, na interação com o conhecimento dos técnicos locais nas regiões afetadas pelas inundações. O país possui boa ciência em planejamento de diques e barragens para proteger áreas habitadas e infraestruturas críticas contra inundações. Podem compartilhar conhecimentos sobre projeto, construção e manutenção dessas estruturas. Dominam também o conhecimento na gestão de águas superficiais e subterrâneas e de como gerenciar de modo eficiente o fluxo de água e evitar enchentes.
Vale aplicar a tecnologia holandesa de drenagem urbana, com os reservatórios de contenção e sistemas de escoamento com objetivo de minimizar os impactos das enchentes nas cidades gaúchas. A Holanda desenvolveu abordagens integradas para identificar áreas de risco e planejar o uso do solo de forma mais resiliente. É feito o mapeamento de áreas vulneráveis e o afastamento de infraestruturas urbanas dos locais de maior risco.
As instituições holandesas, como a Autoridade Hídrica e o Deltares (instituto de pesquisa aplicada em questões relacionadas à água), desempenham um papel crucial na implementação das políticas de gestão da água. O conhecimento sobre a Lei de Gestão da Água também pode ser compartilhado para melhorar a gestão dos recursos hídricos no Rio Grande do Sul. Portanto, a Holanda pode oferecer exemplo e experiência para ajudar na reconstrução e na criação de cidades mais resilientes às mudanças climáticas e eventos extremos de inundação no estado gaúcho.
A Autoridade Hídrica na Holanda é uma instituição governamental responsável pela gestão da água em nível regional. Existem várias Autoridades Hídricas no país, cada uma sendo responsável por uma região específica. Desempenham um papel importante na manutenção e proteção dos diques, canais e sistemas de drenagem, além de gerenciarem o abastecimento de água e tratamento de esgoto.
Já o Deltares é um instituto de pesquisa aplicada em questões relacionadas à água. Seu foco especial inclui proteção contra inundações, gestão costeira e mudanças climáticas. O Deltares trabalha em todo o mundo e é um dos principais institutos de conhecimento holandeses para questões relacionadas à água e ao subsolo. Desenvolvem conhecimento aprofundado necessário para tomada de decisões, com objetivo de garantir um saber acessível a todos para enfrentar os desafios da sociedade com resolutividade para enfrentar questões como segurança hídrica, mudanças climáticas e sustentabilidade.
Após as inundações de 1953, o governo dos Países Baixos adotou várias medidas para prevenir desastres semelhantes. É destaque o Projeto Delta, que inclui políticas diversas. O programa “Room for the River” (Dar Espaço ao Rio) foi desenvolvido para proteger contra inundações fluviais e causadas pelo mar. Envolve a criação de espaços para os rios, de modo a fluir naturalmente e, assim, reduzir a necessidade de aumentar a altura e a resistência dos diques. Prevê alargamento de canais, realocação de diques e criação de áreas de expansão para a água durante enchentes.
Muito se falou nas mudanças climáticas e a imprensa no Brasil já utiliza a expressão evento climático em vez de enchente. Existe um despertar para a adoção de sistemas de monitoramento e alerta mais eficazes, vencido o período de negacionismo climático. A Holanda implementou um sistema rigoroso de monitoramento das águas e alerta precoce, que inclui previsões meteorológicas avançadas e sistemas de alerta para comunidades vulneráveis. O país também investiu em tecnologias de previsão de enchentes, como o Sistema Europeu de Conscientização sobre Inundações (EFAS).
A Holanda demonstrou que a gestão eficaz da água, o monitoramento constante e a colaboração entre cientistas, autoridades e comunidades são essenciais para prevenir desastres causados por inundações. O país não apaga legislação ambiental para atender a ganância de um setor empresarial com vista curta para o social e míope, que enxerga apenas o lucro fácil.
Na Holanda, as políticas de ordenamento do solo foram revisadas para evitar construções em áreas de risco. A manutenção e reforço contínuos dos diques e barragens são prioridades. Vigoram campanhas de conscientização sobre a importância da prevenção contra inundações, realizadas para educar a população sobre como se preparar e agir durante emergências.
Este ano, em um dia de sol, levei um casal de holandeses para nadar no mar, no espigão do Náutico. Soube pelo meu filho Rodrigo, que mora há 15 anos em Amsterdam, que, no sistema educacional básico na Holanda, é obrigatório o aprendizado de natação. É dado diploma pela habilitação em três níveis. O casal nadou no Oceano Atlântico: Maria com seu diploma de nadadora nível 3 e Bert nível 1. Uma experiência única.