TEXTO E FOTO POR TICIANA AZEVEDO, DE LONDRES
ESPECIAL PARA PLURALE
Com seus polos opostos de fast fashion e segunda mão, a indústria da moda está no centro de um debate crescente sobre sustentabilidade, consumo consciente e impacto social e ambiental. Caracterizada pela rápida produção de roupas de baixo custo para atender às tendências de moda, a fast fashion - e agora a ultra fast fashion - está diretamente associada ao aquecimento global, com aterros sanitários que não param de crescer. Como se não bastasse, a produção de roupas baratas só é possível porque está ligada a práticas de trabalho exploratórias em países em desenvolvimento. Marcas como Zara, Shein, Temu e H&M lideram a corrida pela produção rápida e acessível de roupa, trazendo novos designs às lojas em questão de semanas. No entanto, esse ciclo acelerado de produção e consumo resulta em toneladas de resíduos têxteis não reciclados – e contribui significativamente para agravar a crise ambiental.
Na famosa loja Selfridges, em Londres, tem um departamento apenas para itens de segunda mão - a Reselfridges. Uma bolsa Chanel da coleção rare classic de 2014 custa 8.640 euros. Uma Goyard amarela pode ser encontrada por 2.190 euros. Há várias marcas de bolsas, como Chanel, Fendi, Dior, Gucci e Celine. A rede abriu essa sessão em fevereiro de 2024 . E também tem de sapatos e na sessão dos perfumes, na qual o cliente pode envasar o seu frasco antigo. Uma vendedora - que preferiu não ser identificada - explicou que clientes que compram esses itens “pré-loved” estão mais preocupadas com sustentabilidade do que exatamente com a economia. Em alguns casos, curiosamente, itens "vintage" podem sair até mais caros do que os novos!
Impactos Negativos
Segundo a ONG ClimateTrade, a indústria da moda, que inclui a fast fashion, contribui com aproximadamente 10% das emissões anuais de carbono do mundo - mais do que todos os voos internacionais e o transporte marítimo combinados. A produção rápida e em massa de itens de vestuário de baixo custo resulta em um consumo excessivo de recursos naturais - e em poluição dos cursos d'água com produtos químicos. Além disso, o ciclo acelerado de produção e de consumo gera uma enorme quantidade de resíduos têxteis. Apenas 12% dos resíduos de moda são reciclados ou triturados para enchimento de colchões. Apesar do "greenwashing" que você pode ter ouvido das marcas de moda, apenas 1% dos resíduos têxteis é reciclado em novas roupas.
A indústria da fast fashion está fortemente associada à escravidão moderna e a condições de trabalho precárias. Em países como Bangladesh, Índia e Vietnã, onde a maioria das roupas de fast fashion são produzidas, os trabalhadores são mal pagos e frequentemente submetidos a condições de trabalho perigosas e insalubres. A maioria das marcas de fast fashion é de propriedade de um pequeno grupo de grandes empresas; isso significa que o consumismo é essencialmente financiado por esses gigantes, perpetuando o ciclo de exploração e de desperdício.
Organizações como a Fashion Revolution têm trabalhado para aumentar a conscientização sobre essas questões e pressionar as marcas a melhorarem as condições de trabalho em suas cadeias de suprimentos. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer, para garantir que todos os trabalhadores na indústria da moda sejam tratados com dignidade e respeito.
O Movimento de Segunda Mão
Na contramão das vilãs do fast fashion, que fomentam uma cultura de consumo frequente e descartável, o movimento de segunda mão ganha força. O mercado de segunda mão está experimentando um crescimento exponencial, fortalecido pela busca por alternativas sustentáveis e pela mudança de mentalidade dos consumidores. Segundo a pesquisa anual da ThredUp, o mercado global de roupas de segunda mão deve alcançar US$ 350 bilhões até 2028. No Reino Unido, esse mercado deve quase dobrar até 2025.
Em 2023, o mercado de segunda mão cresceu 15 vezes mais rápido do que o setor de vestuário varejista em geral. A revenda online viu um crescimento de 23%, com dois em cada cinco itens de vestuário vendidos sendo de segunda mão. A maioria dos consumidores (63%) tende a comprar roupas e acessórios de segunda mão online, valorizando principalmente a qualidade e a sustentabilidade desses produtos. A mudança de mentalidade entre os consumidores, especialmente os jovens, é um dos principais motores desse crescimento. Luisa Pittan, uma estudante brasileira de História na faculdade de Durham, na Inglaterra, descreve sua predileção por itens vintage ou "pre-loved", como uma forma de consumo consciente e equilibrado. "Dá uma enorme satisfação comprar uma peça de qualidade pelo mesmo preço ou abaixo do que se pagaria por um item de fast fashion" - afirma a estudante, que costuma comprar itens usados em aplicativos. “É uma questão de moderação”, termo que Luisa usa bastante para explicar seu consumo racional e equilibrado. Para exemplificar, afirma que não deixa de comprar um item básico de uma marca de fast fashion, quando necessário.
Reconhecendo a mudança no comportamento do consumidor, marcas de fast fashion, como Zara e H&M, estão aderindo ao mercado de segunda mão. A Zara, por exemplo, opera o projeto "Pre-Owned" em 14 mercados europeus, inclusive no Reino Unido. Já a H&M oferece vouchers aos clientes em troca de roupas antigas que serão levadas para reciclagem.
O mercado de segunda mão sempre existiu nas cidades do Reino Unido, mas agora tem crescido a olhos vistos – embora as plataformas online sejam as preferidas para esse tipo de consumo. Desde lojas de caridade, como as da OXFAM e Cancer Research - que vendem livros, roupas e toda espécie de produtos usados para levantar fundos para seus projetos - até lojas de produtos de luxo em Knightsbridge e Chelsea, bairros caríssimos. Este crescimento acontece enquanto o estigma associado às roupas de segunda mão encolhe nas mesmas proporções.
Embora o mercado de roupas de segunda mão ainda esteja em fase de crescimento, é importante notar que ainda não está gerando lucros significativos para os envolvidos. No entanto, esse mercado oferece uma solução promissora para o problema do desperdício têxtil, ao reduzir a demanda por novos produtos e contribuir para diminuir a pegada de carbono associada à produção de roupas novas. Num momento em que a sustentabilidade é uma preocupação crescente, o movimento em direção à moda de segunda mão surge como uma resposta positiva e viável para as questões ambientais e sociais enfrentadas pela indústria da moda.
O Papel das Redes Sociais e Plataformas Online
As redes sociais têm desempenhado um papel crucial na popularização da moda de segunda mão e na mudança de comportamento dos consumidores. No TikTok, por exemplo, influenciadores montam "pacotes" de roupas de brechó, pelos quais os compradores estão dispostos a pagar centenas de dólares. Com grande audiência, especialmente entre os jovens, em 2022 o reality show britânico "Love Island" fez uma parceria com o eBay, para substituir as marcas de fast fashion pela moda de segunda mão.
Celebridades e influenciadores estão adotando a moda usada, ajudando a desestigmatizar essa prática. Trocam e vendem suas peças de designer pré-usadas e, assim, contribuem para a normalização e para a valorização dessa forma de consumo. O estudo encomendado pela ThredUp revelou que 67% dos millennials no Reino Unido já compram roupas usadas, enquanto dois em cada cinco itens no armário da Geração Z são de segunda mão. Embora o mercado de roupas usadas esteja crescendo rapidamente, ainda enfrenta desafios significativos. As plataformas de revenda ainda não geram lucros relevantes e a infraestrutura para reciclagem de roupas ainda é limitada.
A batalha entre fast fashion e moda de segunda mão está apenas começando, impulsionada por uma crescente conscientização sobre sustentabilidade. A mudança de atitude em relação à moda já se reflete nos hábitos de consumo e nas estratégias das próprias marcas. O aumento do interesse por moda de segunda mão nas redes sociais é um reflexo direto da mudança de mentalidade dos consumidores, que estão cada vez mais preocupados com o impacto ambiental e social de suas escolhas no campo da moda. Além das marcas de fast fashion que estão entrando no mercado de segunda mão, há várias iniciativas inovadoras e exemplos de sustentabilidade que vêm moldando o futuro da moda. Por exemplo, a Patagonia é conhecida por seu compromisso com a sustentabilidade - e por incentivar seus clientes a reparar e a reutilizar suas roupas. A empresa até oferece um programa de recompra, por meio do qual os clientes podem trocar suas roupas usadas por crédito na loja. Outra iniciativa interessante é a da marca Eileen Fisher, que tem um programa chamado "Renew": através dele, as roupas usadas dos clientes são coletadas, restauradas e revendidas – ou seja, promove o chamado upcycle. Esta iniciativa não apenas reduz o desperdício, mas também oferece aos consumidores a oportunidade de adquirir peças de alta qualidade, a preços acessíveis.
As políticas governamentais também desempenham um papel crucial na promoção da sustentabilidade na indústria da moda. Na União Europeia, por exemplo, há regulamentações cada vez mais rígidas quanto ao desperdício têxtil e à pegada de carbono das empresas de moda. O Reino Unido também está considerando a introdução de impostos sobre a moda descartável e incentivos para empresas que adotam práticas sustentáveis. Essas políticas não só incentivam as empresas a adotar práticas mais ecológicas, mas também educam os consumidores sobre a importância de escolhas sustentáveis na moda. A legislação pode ser um poderoso motor de mudança, no sentido de forçar a indústria a evoluir em direção a um modelo mais sustentável.
Os consumidores têm um papel fundamental na promoção de práticas sustentáveis na indústria da moda. Ao optarem por roupas de segunda mão ou por marcas que adotam práticas sustentáveis, enviam uma mensagem clara às empresas sobre a importância da responsabilidade ambiental e social. Pequenas mudanças nos hábitos de consumo podem ter um impacto significativo na redução do desperdício têxtil e na promoção de um modelo de moda mais sustentável. Além disso, a educação e a conscientização são essenciais para que os consumidores façam escolhas mais bem informadas. Campanhas de conscientização e informações transparentes sobre a origem e o impacto das roupas podem ajudar os consumidores a tomar decisões mais sustentáveis.