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Conheça Binho, o ativista e luthier que agita a cena jazz em São Paulo

Conheça Binho, o ativista e luthier que agita a cena jazz em São Paulo

Mairi, pequeno município da região centro-norte da Bahia, tem suas origens no século 18, por obra de missionários franciscanos que fundaram o Aldeamento de Bom Jesus da Glória de Jacobina. A descoberta de ouro na região mudou o perfil populacional, antes composto basicamente por tupinambás. A chegada de inúmeros migrantes e africanos escravizados levou o governo provincial a criar o distrito de Monte Alegre que, em 1943, seria rebatizado para o nome atual, que significa “cidade” ou “velha”, no idioma indígena. O fim do ciclo do ouro fez com que Mairi entrasse em decadência e seus habitantes passassem a viver de pequenos roçados e da criação de gado.

E foi numa dessas fazendas que nasceu, em 1980, Fabricio Silva Pedreira, que viria a ser conhecido como Binho Luthier, numa referência ao ofício que abraçou a partir da idade adulta. Seu trabalho na regulagem e restauração de instrumentos é reconhecido por músicos de altíssimo calibre e clientes famosos, tais como: Edgar Scandurra (fundador do Ira!), Célia Carvalho (baixista do Lady Blues Band), Raphael Garrido (guitarrista de Baby do Brasil), Samambaia e Franja (do Planta & Raiz), Paulo Caruso, entre outros. Binho, também é o fundador do Projeto de Resistência Cultural Jazz no Limoeiro, que reúne artistas em apresentações gratuitas pelas ruas de São Paulo.

A transformação de Fabricio em Binho Luthier aconteceu em etapas e foi desencadeada por intercorrências da vida. A primeira delas protagonizada pelo pai Raimundo Pedreira que cultivava dois vícios: jogo e bebida. O primeiro causou-lhe a derrocada financeira, obrigando-o a migrar com a família para São Paulo, em 1993, onde trabalhou como eletricista predial. O segundo, acabou por abreviar-lhe a vida, aos 62 anos. “Meu pai sofria de cirrose hepática. Ele ficou dois anos na fila de transplante, mas não conseguiu ser atendido a tempo”, recorda Fabricio.

Luthier por acaso

A mudança radical no padrão de vida funcionou como um combustível para que ele ingressasse no mundo do trabalho aos 14 anos, como forma de conseguir um dinheirinho para pagar suas despesas. Foi balconista de padaria, ajudante em empresa de dedetização e auxiliar de estoque em um depósito de pneus. “Era uma dureza só. Passava o dia carregando pneu de um lado para outro”. A guinada aconteceu quase que por acaso, em 1998, graças a interferência da mãe, Eliedalva Pedreira, mais conhecida como Dalvinha, que entrou em contato com o irmão Jair Ribeiro, dono da Vintage, para ver se conseguia uma vaga para o filho na famosa luteria baseada na esquina das ruas Cristiano Viana e Teodoro Sampaio, em Pinheiros, bairro da zona oeste.

Binho luthier jazz no limoeiro detalheFabricio Silva Pedreira, o Binho, fundador do projeto Jazz no Limoeiro, em sua oficina, em SP

Àquela altura, essa região já era conhecida por abrigar algumas das principais lojas de instrumentos musicais, além de concentrar boa parte dos luthiers da cidade. Jair era um dos mais requisitados, pois trazia no currículo uma longa passagem na icônica fábrica de guitarras Tagima. Fabricio, que já havia incorporado o apelido Binho, começou desmontando e limpando instrumentos, além de executar outras tarefas menos técnicas. “Eu era um funcionário dedicado e procurava aprender o máximo possível sobre todas as áreas”, diz. “Decorridos três anos, já me sentia seguro na função de luthier. Conhecia a arquitetura dos instrumentos e sabia todas as notas musicais”. Apesar de todo esforço, Binho não se sentia valorizado pelo tio.

A situação virou em 2002, quando João Marques de Freitas, colega de trabalho e especialista em eletrônica, foi procurá-lo com a proposta de formar uma sociedade. Foi neste instante que “nasceu” o Binho Luthier. A ideia inicial de abrir uma oficina na Teodoro Sampaio morreu no nascedouro por falta de recursos. O jeito foi aceitar a oferta da baixista Célia Carvalho, fundadora da Lady Blues Band e que tocou na Gang 90, de cessão de um espaço em sua escola de música, na avenida Pompeia, bairro da zona oeste de São Paulo. “O local era ótimo, porém como estávamos longe do agito, quase não tínhamos clientes”, lembra. Ao concluir que não havia como escapar da Teodoro Sampaio, a dupla garimpou um local cujo aluguel coubesse no magro orçamento.

A luteria, propriamente dita, nasceu nos fundos da loja Gang Usados, instalada em uma galeria da Teodoro Sampaio. Estar no fervo garantiu uma rápida ampliação da rede de contatos, a partir da propaganda boca a boca. Para reduzir custos, Binho e João recorriam aos amigos e amigas para pedir uma forcinha em tarefas básicas. Uma delas é a advogada Thânia Sanches que, na época, tinha apenas 15 anos e acabara de desembarcar São Paulo para concluir os estudos. “Como a grana era curta, sempre fazia uns bicos para completar o orçamento. No mesmo dia que eu conheci o Binho, ele me chamou para trabalhar com eles”, conta. Dos tempos em que ela passava bombril e lixa nos instrumentos restou uma amizade que se solidifica a cada dia, segundo ela.

A aposta se mostrou acertada. Em pouco tempo a dupla assinou um contrato de aluguel de uma loja de rua, no qual estava isento de pagar luvas (uma espécie de adicional pela valorização do ponto comercial). Menos de um ano depois já tinham mais dois pontos comerciais. E, capricho do destino, um deles era exatamente na rua Cristiano Viana, onde funcionara a Vintage, a oficina do tio. A vida de empreendedor seguia ao sabor do ritmo da economia brasileira. A saída do sócio e parceiro João fez com que Binho reavaliasse o negócio e concentrasse tudo em uma única loja, como forma de reduzir os custos fixos.

Som na caixa

Neste período, a Teodoro Sampaio ganhava um colorido adicional nas tardes de sábado, graças às jam sessions em frente à loja Matic, na quadra entre as ruas João Moura e Cristiano Viana, e bem pertinho da tradicional feira de antiguidades da praça Benedito Calixto. Binho, que não perdia nenhuma gig, se inspirou nessa iniciativa para fundar o Projeto Jazz no Limoeiro, em 2014. O ponto de partida foi a constatação de que a cena musical paulistana estava encolhendo, além de muito concentrada em ritmos como pagode e sertanejo. “Faltava um espaço para os músicos improvisarem e divulgarem seus trabalhos autorais”, conta.

Mais uma vez, entrou em cena a capacidade agregadora do veterano luthier que já se apresentava, também, como ativista e agitador cultural. A ideia foi recebida com ceticismo por muitas pessoas. Tanto comerciantes, quanto músicos. Afinal, a proposta previa apresentações na rua e que renderiam apenas o dinheiro coletado passando o chapéu. A primeira apresentação reuniu o trio formado por Ulisses Sebastião (bateria), Beatriz Lima (baixo) e Douglas Froemming (guitarra).

Segundo Binho, foi tudo na base do improviso: "Na primeira hora de um sábado qualquer de agosto de 2014 o Tonhão estacionou sua Parati em frente à loja para guardar o lugar onde ficariam os músicos. Cacá do Acarajé, um comerciante das redondezas, levou alguns bolinhos para degustação do público". O saldo foi positivo, pois muitos dos que passavam em frente ao número 874 da Teodoro Sampaio iam pouco a pouco reduzindo o passo até parar completamente para curtir aquela cena musical improvisada.

O formato só se mostraria pujante a partir de 2019, quando os shows começaram a se tornar regulares e a contar com a adesão de popstars do porte de Bocato, um dos mais famosos trombonistas do país, e Duda Neves, ex-baterista do Tim Maia, além de Vinícius Chagas, considerado um virtuose do sax. “Aí todo mundo começou a me procurar para tocar no Jazz do Limoeiro”, lembra. A pandemia fez com que Binho reavaliasse sua atuação profissional e o Projeto. Para continuar operando, ele fechou a loja e transformou sua velha Doblo em uma luteria ambulante. “O boom de lives transmitidas pela internet acabou gerando uma demanda nova para serviços de ajustes e consertos de instrumentos que ficaram parados com a suspensão das atividades”, recorda.

A retomada pós-pandemia exigiria uma maior articulação, pois o setor de entretenimento foi um dos que mais sofreram por conta da proibição de eventos. Resultado: músicos com orçamento apertado e doidos para voltar aos palcos. Para dar vazão à demanda, Binho fez parcerias com bares e outros locais nos quais a música de qualidade seria um diferencial. Quem acreditou de imediato foram os donos da Cervejaria Alvorada, na Vila Mariana, da Casa de Liège, em Pinheiros, do 321 Clubbar e do Brasa & Breja, ambos na Vila Madalena. Algumas das presenças constantes dessas gigs são os integrantes do Quarteto Limoeiro, uma banda não-oficial que muda de formação constantemente e cujo núcleo base é formado Carlos Rebouças (piano), Jorge Marciano (percussão), Dino Verdade (bateria) e Giba Pinto (baixo).

Jazz no limoeiro Musicos e amigos(a partir da esq.) Angelica e Ana Claudia parceiras de longa data

Os resultados foram tão animadores que Binho transformou o Jazz no Limoeiro em um projeto. “Acabei sendo convencido de que deveria registrar a marca e tirar um CNPJ para poder conseguir captar recursos a partir das leis de incentivo”. Com isso, ele espera ampliar o leque de patrocinadores, que hoje está concentrado nas vizinhas Bateras Beat e Tambores Zé Benedito, que ajudam com as despesas básicas de cada gig. Quem fez a cabeça do veterano luthier foram os fãs da música instrumental, muitos dos quais passaram um dia em frente a luteria e se viram envolvidos pela profusão de notas musicais dos concorridos espetáculos. Nessa lista constam Ana Claudia Buchalla, profissional da área de marketing e que tem no piano uma atividade secundária, a relações públicas Angélica Soller, a cantora Raphaela Ciscato, mais conhecida como Madá, a jornalista Ana Magalhães, a artista plástica Mara Martins, que desenhou a logo do Projeto, e o ator Davi de Almeida, que filmou e dirigiu um minidoc mostrando os bastidores de algumas gigs.

Outras que se juntaram ao grupo com o passar do tempo foram as produtoras Roberta (Beta) Zucarello e Julia Reinecke, que tiveram um papel importante no, digamos, rejuvenescimento do line-up das bandas, nos últimos dois anos. Fizeram isso a partir da arregimentação de estudantes de música e profissionais que atuavam em diversas cenas da cidade, mas que estavam fora do radar de Binho.

amigos binho luthier jazz no limoeiro(a partir da dir.) Julia e Beta ajudaram a levar sangue novo para as gigs

A partir dessas interlocuções, Binho conseguiu ver o Projeto ocupar espaços de prestígio na imprensa paulistana, resultando na ampliação do alcance da iniciativa. Nos últimos três anos, o ativista da música e agitador cultural passou a ser acionado por produtores de eventos, tais como: Festival Pinheiros, Festival da Vila Madalena, Smorgasburg Brasil e a Jam Brasil. Também realizou versões itinerantes do Jazz do Limoeiro nas cidades de Campos do Jordão e São Sebastião. Em todos eles, apenas duas exigências: cachê honesto para os músicos e acesso gratuito ou subsidiado para o público. Questionado sobre a possibilidade de montar uma casa noturna, Binho franze a testa e dispara: “Quero continuar na rua fazendo esse som gratuito e democrático”.

Binho luthier jazz no limoeiro abre

Ah, um detalhe importante: o nome do projeto foi inspirado no pé de limão plantado na calçada em frente à oficina Binho Luthier, que continua firme e forte.







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