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Casos e Causos

PLURALE EM REVISTA, EDIÇÃO 87 - Quase circo

Exposição da artista Carmela Gross está em exibição no SESC Pompeia. Com curadoria de Paulo Miyada, a exposição reúne obras de diversos períodos da criação da artista e ocupa vários espaços da instituição

Por Maurette Brandt Especial para Plurale

Fotos de Filipe Berndt e Everton Ballardin/ Divulgação

Bem ao fundo do galpão de entrada, é possível cruzar com Bando (2016/2024), uma verdadeira manada de animais diversos, espelhados em metal como figuras rupestres, como se fosse um filme rodado num verdadeiro corredor de tapumes que simula, talvez, um canyon (?) urbano.

Mais adiante, dá também para cruzar um Rio Madeira (1990) – e de madeira mesmo – que parece correr vertiginosamente em direção ao lago imaginado por Lina Bo Bardi quando transformou, em 1992, uma antiga fábrica num dos mais importantes espaços culturais da capital paulista.

De uma tela imensa brotam imensos clarões de fogo e luz; a obra Luz del Fuego (2012/2024) literalmente explode em cenas reais de conflitos registrados em várias partes do mundo, que a artista reuniu num vídeo impressionante.

A Bandeira Pivô (2024), obra inédita - com seus tecidos coloridos, entre roxo, vermelho, filó, listras e estamparias – foi pensada para, talvez, “inaugurar” a mostra: como uma possível ideia de cortina, pronta para revelar um palco muito esperado. Em duas “águas”, os tecidos superpostos em cores vibrantes podem receber quem chega ou acompanhar quem cruza os seus domínios, em qualquer direção, com sua alegria ondulante e convidativa.

As célebres Escadas (2012), concebidas pela artista com iluminação fluorescente branca, parecem se estender ao infinito, numa das margens do lago: agora, inundadas de vermelho, tornam-se Escadas Vermelhas (2024). Bem ao lado delas está A Negra (1997), outra obra emblemática de Carmela Gross. Construída originalmente em filó preto e exposta em distintos espaços, inclusive na rua, se apresenta agora em filó vermelho, travestida da Negra Vermelha (2024) e forma um conjunto impactante com as Escadas e com Rouge (2018), um carrinho de pipoca coberto de batom - tudo de um vermelho intenso e contagiante.

Bem ao lado, o régio Estandarte Vermelho (1999) homenageia e evoca a figura e o gestual do ator e diretor Zé Celso Martinez Corrêa, o célebre criador do Teatro Oficina, morto em consequência de um incêndio em seu apartamento, em 6 de junho de 2023.

Desenhos de luz, como Uma casa (2007) e O fotógrafo (2001) - construídos como se flutuassem no ar - são frequentes na obra de Carmela Gross e também marcam presença na mostra.

Mas as emoções não param por aí. O imenso espaço expositivo do Sesc Pompéia - que abriga também áreas comuns, como a biblioteca, bilheterias e ambientes convidativos para o visitante -, revela a surpreendente instalação Roda Gigante (2019). Objetos em desuso, pilhas de livros, anões de jardim, ferramentas, artefatos, caixas, lembranças do vivido - enfim, coisas que parecem pretender parar o tempo. E que, no entanto, estão rigidamente atadas por cordas que se entrecruzam e se estendem às alturas da estrutura do galpão. São detalhes fortes, de todo tipo, tamanho ou natureza, que incitam o olhar curioso de quem os observa. De todos os objetos podem brotar histórias ou perguntas. Aos poucos, o imenso conjunto de possibilidades vai se construindo no imaginário de cada um. E que ninguém se engane: a impressão que fica não se esvai facilmente.

Na parede que fica bem ao fundo está a instalação Figurantes (2016), livremente inspirada na obra O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx, publicada em 1852 na revista Die Revolution.

Descobertas e sensações não vão faltar; conhecer a potência da obra de Carmela Gross é sempre uma experiência incrível. Fora do galpão, já na praça, há mais delicadezas a descobrir: anotações e desenhos da arquiteta Lina Bo Bardi, que a artista recebeu do curador Paulo Miyada, inspiraram Gato (2024), mais uma obra inédita que se impõe, em ponto grande e luminoso, no prédio dos esportes.

O que mais impressiona quando tantas obras distintas da artista se encontram num espaço absolutamente particular como o Sesc Pompeia, é o diálogo que logo se estabelece entre elas. Não importa quando foram concebidas; o contexto sempre se atualiza, converge, abre caminhos que, ainda que guardem suas singularidades, apontam para novas leituras, novas imersões que, sem dúvida, deixam marcas na alma.

Em se tratando de Carmela Gross, vale a pena dar várias voltas em toda a área, observar, rodear, imaginar - enfim, deixar-se envolver o máximo possível com todas as sensações que sua obra nos provoca, instiga e perturba, sacode e, ao mesmo tempo, abraça. Ah, se não fosse a arte... E, neste caso, a arte de Carmela Gross, em especial.

Nenhuma parede no caminho da arte

Carmela Gross e o curador Paulo Miyada sentiram, desde o início, que seria bem melhor que a exposição acontecesse no fluxo normal do grande galpão do Sesc Pompeia. Ou seja, em meio aos espaços de convivência, a biblioteca, as bilheterias e tudo mais. – Não queríamos usar nenhuma parede – conta a artista. – Queríamos, sim, que a mostra acontecesse nos espaços abertos, com mais liberdade. E a primeira obra que escolhemos, por consenso, foi Roda Gigante (2019) – lembra.

Concebida para um outro espaço, a obra reúne uma série de objetos de vários tipos e usos, sem relação direta entre si; nesta versão, em função do espaço disponível, a obra contemplou uns 300 itens. Cada um deles é tensionado por cordas, que são presas à estrutura do teto. – No Sesc Pompeia foi um projeto de engenharia, na verdade – explica Carmela. – Foi preciso calcular a tensão das cordas e o peso dos objetos, para chegar ao equilíbrio e à segurança necessários. Um fator que facilitou foi a estrutura do teto, propícia ao tipo de amarração que teria de ser feita. Mas tudo foi muito bem calculado e ficou perfeito – ressalta.

A instalação Figurantes (2016) foi a única que ocupou uma parede, no fundo, bem em frente a Roda Gigante, como na primeira versão da obra.

Rio Madeira, que na década de 1990 já tinha sido exibida no Sesc Pompeia, numa mostra chamada Gente de Fibra, ainda não tinha esse nome na época.

– Quando criou o lago, a Lina (Bo Bardi) o chamou de Rio São Francisco; então, com a ideia de rio em mente, resolvi batizá-la de Rio Madeira, já que ia ficar junto do lago – conta Carmela.

Na versão original, de 2016, Bando era um conjunto de desenhos sobre papel. Logo se descobriu que a pintura vermelha do corredor-tapume era à base de fenol, substância que degradaria os desenhos. - A solução foi reproduzi-los em tamanho 20% maior e transformá-los em serigrafia sobre metal – explica Carmela. - Uma casa (2007) também foi reconstruída com lâmpadas de LED e gelatina rosa, já que as lâmpadas usadas na versão original já não existem no mercado – relata a artista, revelando um pouco dos bastidores da montagem.

Por fim, a obra Gato (2024), instalada nas passarelas do prédio dos esportes, demandou muitos estudos e foi pensada em várias versões, até chegar ao resultado final: foi criada uma armação de metal estruturada que sustenta, nas passarelas, as quatro palavras que Lina Bo Bardi anotou em sua língua-mãe, o italiano, num desenho da época da reforma: ROSSO – BLU – GIALLO – VERDE. – Achei aquilo muito forte e honrei as notas dela – orgulha-se Carmela Gross.

Serviço:

Site e mais informações

Até 25/08/ 2024

Terça a Domingo

Terça a sábado, das 10h às 21h

Domingos e feriados, das 10h às 18h

Agendamento de escolares para visitas mediadas através do e-mail: agendamento.pompeia@sescsp.org.br

Esta exposição possui recursos de acessibilidade: mapa tátil e Libras e audiodescrição das obras através do aplicativo Musea, disponível na Apple Store e Play Store.







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