Por Christian Travassos, Colunista de Plurale
Uma pesquisa encomendada pela Cerveja Corona (AB Inbev) à Ipsos apurou que, em 2023, os brasileiros dividiram seu tempo entre Trabalhar (41%), Cuidar da família (29%) e Assistir TV, filmes e séries (29%). Fazer exercícios, andar de bicicleta, contemplar o pôr-do-sol após uma caminhada são hábitos reconhecidamente saudáveis no Brasil, mas não tão praticados. Passar mais tempo ao ar livre estava nas resoluções para o ano de 2024 de apenas 16% da população, enquanto Lazer e bem-estar foram citados por somente 26%. Entre as principais metas, figuraram interesses profissionais e financeiros, vistos como mais “produtivos”.
Caracterizado no passado como o Zé Carioca dos quadrinhos, o estudo mostra que o brasileiro tem levado uma vida mais multitarefa. A campanha 2024 da Cerveja Corona vai exatamente no sentido inverso, com o slogan “A vida é aqui fora”. A marca firmou ainda parceria com o Globoplay, pela qual conteúdos do Canal Off serão disponibilizados gratuitamente – com opções de estilo de vida e viagens, entre outras.
O canto da sereia multitarefa é questionado pelo próprio mainstream, no momento em que a geração Z, formada por nascidos entre 1997 e 2010, dá seus primeiros passos no mercado de trabalho. Se o choque intergeracional continua sendo algo natural, o mesmo não se pode dizer das ferramentas e do meio que marcam mais um encontro de gerações.
De início, é consenso que esses jovens cresceram imersos na tecnologia digital; e que são competentes em lidar com dispositivos eletrônicos e plataformas online. Isso os torna adaptáveis a ambientes de trabalho nos quais habilidades tecnológicas e multitarefas são valorizadas.
Além de nativos digitais, esses novos profissionais procuram flexibilidade e equilíbrio entre vida pessoal e profissional, dão preferência a oportunidades de trabalho remoto, horários flexíveis e benefícios que permitam maior autonomia. E também estão preocupados com diversidade e inclusão. Valorizam empresas que promovam uma cultura de colaboração e de respeito, independentemente de raça, gênero ou origem. Significado e propósito são valores para muitos inegociáveis um movimento que caminha lado a lado com o amadurecimento dessas questões na sociedade, na esteira de causas sociais e ambientais.
Um ponto menos pacífico desse cenário é o suposto aprendizado contínuo buscado por esses jovens, no sentido de estarem mais dispostos a investir tempo e esforço em treinamento e desenvolvimento - o que, de certa forma, contrasta com a dificuldade de foco desse grupo: falta paciência, tudo precisa ser bem ágil.
A capacidade multitarefa tem sido uma habilidade com frequência associada à geração Z, devido à sua afinidade com gadgets e mídias sociais. Embora os jovens hoje possam se sentir confortáveis alternando rapidamente entre diferentes tarefas e tecnologias, há efeitos colaterais.
A disponibilidade infinita de conteúdo online funciona como fonte constante de distração e, ao contrário do que promete, prejudica o desempenho no trabalho, na escola e em outras áreas da vida. As multitarefas podem levar a níveis elevados de estresse e ansiedade, a uma sensação de fadiga mental, pois o cérebro processa cada vez mais informações e precisa responder a diferentes estímulos. Isso reduz a capacidade de concentração e, não por acaso, resulta muitas vezes em um trabalho de menor qualidade. Além disso, aumenta a probabilidade de erros, que exigirão correções - e, com isso, mais tempo e recursos.
No escritório ou em casa, nas empresas ou no setor público, estão em curso iniciativas em defesa de um uso mais saudável das novas tecnologias. A Prefeitura do Rio, por exemplo, proibiu a partir de fevereiro de 2024 o uso de celulares na rede pública municipal, decisão logo seguida por parte da rede particular. Segundo as bases do decreto, os aparelhos contribuem para a distração dos alunos, prejudicam seu aprendizado, geram isolamento social e podem afetar a saúde mental de crianças e adolescentes, via crise de ansiedade, depressão, transtornos alimentares e automutilação.
Reconhecer a necessidade de estabelecer limites, de valorizar a vida lá fora, a prática de atividade física e de hobbies ao ar livre compõem uma cartilha essencial às novas gerações. Afinal, há relação direta entre o isolamento físico ou virtual e diferentes transtornos do nosso tempo.
FOTO DE LEONARDO SOUZA/ ARPOADOR - RJ/ CEDIDA PARA ESTE ARTIGO DE PLURALE
Se o Brasil é um país privilegiado para a prática de atividades ao ar livre, por suas belezas naturais, por seu ambiente descontraído e por suas atrações turísticas, o Rio de Janeiro traduz como poucos lugares essa vida outdoor. Além da maior floresta urbana do mundo e de sua famosa orla, sua cultura de rua inclui música, dança, arte, esportes e gastronomia.
As ruas e praias da cidade são frequentemente palco de festivais, desfiles de Carnaval, shows e eventos culturais que refletem a diversidade e o estilo de vida carioca. A multitarefa carioca une atividades de lazer e de arte, caminhada e música, compras na feira e passeio de bicicleta. Conjuga café da manhã e praia, surfe e chopp, trilha e Maracanã, feijoada e roda de samba.
A cultura de rua da cidade é parte de sua identidade e desperta o interesse do visitante. O carioca é um sujeito hospitaleiro, que valoriza sua diversidade étnica e cultural sob um forte senso de comunidade. Sua personalidade reflete a energia e a vitalidade do Rio, algo que não pode – nem nunca poderá – caber numa tela de celular.
A revista Time Out acaba de divulgar sua concorrida lista de points descolados pelo mundo, em sua edição 2024. São 30 ruas interessantes para se visitar, conhecer, vivenciar experiências fora do óbvio. Em comum, espaços ao ar livre, estabelecimentos conectados por calçadas coloridas e um punhado de idiomas, onde gastronomia e arte deixam suas marcas e paira um espírito de aldeia global. Na lista há apenas dois endereços latino-americanos: Guatemala Street, em Buenos Aires, Argentina (4º) e R. Arnaldo Quintela, em Botafogo, Zona Sul do Rio (8º).
A Time Out sabe que o tempo passa muito rápido. E que a vida é aqui fora.
(*) Christian Travassos é Colunista Colaborador de Plurale. Economista (Puc-Rio) e Mestre em Ciências Sociais (CPDA-UFRRJ)