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PLURALE EM REVISTA - EDIÇÃO 87 - Entrevista com Luana Génot

Por Sônia Araripe e Felipe Araripe, Editora e Repórter de Plurale

FOTOS DIVULGAÇÃO/ ID_BR

Luana Génot e Tom Mendes, do IDBR, na entrega do7º Prêmio “Diga Sim à Igualdade Racial”, no Rio de Janeiro.

Anote este nome: Luana Génot. Muitos conhecem de perto o seu trabalho e legado. Mas se, por acaso, você apenas ouviu falar dela e ainda não a conhece bem, corra para corrigir esta sua “lacuna”. A carioca, que já fazia diferença como estudante de Comunicação na PUC-Rio, ganhou ainda mais força. E hoje é uma das principais vozes no país – e no mundo – pela educação antirracista.

Como fundadora do Instituto Identidades do Brasil, o ID_BR, a publicitária Luana, 34 anos, carioca da Penha (Zona Leopoldina), mãe de dois filhos e casada com um francês, conquistou lugar de destaque.

O início profissional aconteceu aos 18 anos, como modelo, em um período de dois anos vivido entre França, Inglaterra e África do Sul. Depois, formada em Publicidade, com especialização em raça, etnia e mídia pela Universidade de Wisconsin-Madison, Luana voou: foi reconhecida como jovem liderança abaixo de 30 anos pela Revista Forbes, em 2021, e tem colecionado amigos/fãs não nos segmentos artístico e acadêmico, mas também no mundo corporativo.

Pouco antes desta entrevista, tínhamos acompanhado de perto o prestígio de Luana e de seu time para atrair famosos e holofotes no 7º Prêmio “Diga Sim à Igualdade Racial”. Reuniu um elenco mais do que estrelado que ia de Xuxa, Alcione e o jovem Rene Silva (do Voz das Comunidades) até diversos atores, músicos e globais, negros e indígenas. Diversos como o Brasil é. Evento mega, bancado por uma dezena de patrocinadores de peso. Esta pode ser uma boa definição para Luana: aglutinadora e capaz de construir pontes e conexões.

Nesta entrevista à Plurale, Luana fala sobre as ações do Instituto ID_BR; sobre a pauta antirracista atrelada aos negócios e sobre mudanças estruturais nas empresas, para equiparar salários de mulheres e de homens na mesma função; sobre a criação da Deb, uma avatar negra que vai ajudar nestas ações - e também sobre preconceito e visibilidade para a causa.

Construímos um chamamento que é parte da nossa filosofia: mais do que não ao racismo, é importante dizer sim à igualdade racial. E isso dá base à assinatura de todas as nossas ações: o selo Sim à igualdade racial, que é uma jornada contínua de treinamentos e de consultoria ao longo do ano, que ajuda empresas e organizações a ter metas e prazos em relação à pauta antirracista atrelada aos seus negócios”, explica Luana. Confira.

Plurale - Como surgiu a ideia do ID_BR? Surgiu da sua própria experiência?

Luana Génot - O ID_BR nasce de um trabalho acadêmico na Universidade de Comunicação, sobre o desejo de saber como pessoas de diferentes identidades transitavam por aquele espaço, a partir do cenário de desigualdades e de falta de oportunidades para pessoas negras e indígenas. Anos depois, o trabalho dá base para iniciar o Instituto, que nasceu já focado em falar da educação antirracista, como foco principal de forma popular para todas as pessoas, de múltiplas identidades, puxando a responsabilidade para todos, mas principalmente para as empresas.

Construímos um chamamento que é parte da nossa filosofia: mais do que não ao racismo, é importante dizer sim à igualdade racial. E isso dá base à assinatura de todas as nossas ações: o selo Sim à igualdade racial, que é uma jornada contínua de treinamentos e de consultoria ao longo do ano, que ajuda empresas e organizações a ter metas e prazos em relação à pauta antirracista atrelada aos seus negócios.

Plurale - Luana, você é mãe de duas crianças, o Hugo e a Alice. Que Brasil você deseja que eles dois vivenciem quando crescerem?

Luana Génot - Desejo que eles vivam num mundo mais igualitário, saudável e aberto a possibilidades para a população negra e indígena, no qual possam sonhar seus sonhos sem que a questão racial seja uma barreira na conquista do que eles desejam. E que, acima de tudo, tenham amor pelas pessoas e muita curiosidade em desbravar o mundo, sempre podendo contar com a minha dedicação e amor.

Plurale - Você faz parte do famoso “Conselhão”, o laboratório de políticas do governo. Você acredita que a pauta racial está no foco principal do atual governo?

Luana Génot - A criação de ministérios como o dos Povos Indígenas e o da Igualdade Racial são medidas que mostram que o governo quer avançar com a pauta racial, mas é preciso investimento. É preciso ter dinheiro nessas pastas e um olhar holístico sobre como outras pautas atravessam a pauta racial, como o desemprego, a falta de acesso à saúde e à educação; e a crise climática - que, historicamente, afeta mais populações negras e indígenas nas comunidades nas periferias e os ribeirinhos, entre outros assuntos. Nesta parte, acredito que seja uma construção inicial. Há boas intenções, mas é preciso mais intencionalidade coletiva e investimentos, para podermos chamar a pauta de prioridade nacional.

Plurale - Com mais ou menos um ano de vigência da nova lei da igualdade salarial entre homens e mulheres, muitas empresas e entidades recorreram à Justiça para contestar a lei, alegando a privacidade dos dados e também os malefícios da publicação dessas informações. Você acredita que, um ano depois dessa PL, nós caminhamos bastante nesse assunto?

Luana Génot - Toda mudança estrutural leva tempo para gerar impacto visível. Algumas empresas começaram a caminhar em direção à equiparação salarial e, consequentemente, a uma equidade de gênero; mas isso não é do dia para a noite, porque grande parte da sociedade ainda não está completamente comprometida em fazer as coisas acontecerem. Não só pela burocracia que isso demanda, mas também pela manutenção de um sistema de décadas, em que a mulher está em cargos operacionais ou tem sua carreira congelada e recebe salários menores - mesmo quando ocupam as mesmas posições dos homens. A construção social de “não falar sobre salários abertamente” é o exemplo clássico de um tabu muito bem construído: não falamos dos salários, não descobrimos as diferenças gritantes entre os salários de homens e mulheres na mesma função - e seguimos fazendo a manutenção desse sistema. Isso precisa mudar.

Plurale - Nós participamos do Web Summit; e no meio de tantos debates sobre a utilização da Inteligência Artificial, o ID_BR lançou a Deb - a inteligência artificial que tem o intuito de debater pautas como diversidade, inclusão, justiça climática. Como é que a Deb funciona? As conversas com ela são monitoradas?

Luana Génot - A criação da Deb veio do nosso olhar crítico e propositivo em relação ao contexto de retaliação das ações afirmativas; do decréscimo da atenção e dos recursos necessários à pauta, especialmente nos EUA, e da necessidade do cruzamento das questões racial e de gênero com outros tópicos, como mudanças climáticas e democracia, somadas à necessidade de ampliação de diálogos em um período de polarização.

A Deb funciona como se você estivesse conversando com um colega; foram desenvolvidos algoritmos para garantir respostas precisas e relevantes sobre questões raciais e sociais, que priorizam conteúdos criados pelo Instituto, mas que também podem procurar em bases externas, para complementar sua resposta. A Deb segue a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD); é um espaço seguro, que não vai julgar as perguntas - e que também não perde a paciência. Ou seja, é uma extensão da nossa inteligência humana.

Plurale - O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa admitiu, recentemente, que “Temos de pagar os custos da colonização e da escravidão”. Essa sinalização do presidente sobre uma reparação histórica pelos erros do país é uma demonstração de que está na hora de cobrar, de fato, pela desigualdade racial histórica?

Luana Génot - A luta por reparação histórica acontece há anos, por diversos movimentos em países diferentes; mas, em sua maioria, são os cidadãos comuns que usam a força da voz para cobrar isso. A cobrança já existe há décadas. Agora, ter um presidente que assume isso publicamente é o começo de um novo movimento. Aqui estamos falando de uma pessoa com o poder da caneta, isto é, com autoridade para fazer mudanças, criar medidas concretas de reparação, desde a geração de acessos e de oportunidades até a monetária. Afinal, são séculos partindo muito atrás em todas as corridas. Vejo com bons olhos. Agora, que venham iniciativas concretas.

Plurale – Recentemente, o livro “O avesso da pele” - que tem temas como a brutalidade policial e também o racismo - passou por um processo de recolhimento pelas autoridades nos espaços públicos, como bibliotecas e escolas. Apesar das desavenças sobre a história, a obra ganhou popularidade e até reingressou novamente no ensino. Qual a intenção de bloquear o acesso a um livro que trata de pautas de importância contemporânea?

Luana Génot - Alguns livros que tratam sobre questões raciais têm sofrido retaliações. Não é incomum. A sociedade brasileira, de modo geral, ainda tem alguma resistência a falar sobre temas estruturantes, como o racismo. Para a dita “elite”, isso abre feridas e conexões com um passado escravocrata que, para além de culpa, deveria criar uma responsabilidade com a mudança. Já para a periferia pragmática, a pauta pode parecer floreio, frente às necessidades mais emergenciais. Por outro lado, nunca foram lançados tantos livros sobre o tema racial; e acredito que, entre lutas e conquistas, seguimos adiante.

Plurale - O ID_BR vai completar 10 anos em breve; quais são seus projetos para o futuro? Investir mais no uso de tecnologias pela igualdade racial? Implementar mais ações pela pauta?

Luana Génot - Queremos exponenciar a educação antirracista, para que conhecimentos possam apoiar mais ações afirmativas em escolas, empresas e organizações. Vamos usar as ferramentas possíveis para apoiar a massificação desta mensagem, a convocação e a priorização da pauta, em nível nacional e internacional – resume.







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1 comentário | Comente

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Giane P M Gatti |
Muito bacana a entrevista. A Luana falou na necessidade de investimentos. E a sociedade civil também deve tomar a iniciativa em participar dessa educação antirracista.

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