POR SÔNIA ARARIPE, EDITORA DE PLURALE
Uma cerimônia marcante e que fez jus ao homenageado. Assim foi o velório do engenheiro, político e escritor carioca Roberto Saturnino Braga, falecido aos 93 anos de pneumonia nesta quinta-feira (dia 3 de outubro), realizado no Palácio da Cidade, sede da Prefeitura do Rio. Ele ocupou vários cargos públicos, como Prefeito do Rio (em 1986, o primeiro no processo de redemocratização, por eleições diretas), Senador Constituinte, Deputado Federal e Vereador. Familiares, amigos, autoridades e políticos estiveram presentes e destacaram o legado e a relevância de Saturnino Braga na cena pública ao longo de cerca de 70 anos. Ele era viúvo de Eliane, deixa três filhos - Bruno, Antônio e Maria Adélia - e netos.
A Deputada Federal Jandira Feghali (PT-RJ) conheceu e conviveu bem com Saturnino Braga e foi uma das que fez questão de levar o seu abraço à família. "Saturnino Braga tem duas dimensões que precisamos realçar. Primeiro, a dimensão dele da relação com a cidade, da resistência; como uma pessoa do diálogo e da Democracia. E até de uma certa ingenuidade, pelo tamanho da honestidade que ele sempre teve, quando disse que a cidade do Rio de Janeiro faliu, quando prefeito. Isso mostra a pureza, a transparência e a capacidade dele de falar o que sentia e de fazer muito claras as suas posições. E, a segunda dimensão, é que Saturnino Braga sempre foi uma brutal inspiração para todos nós que viemos depois dele da boa Política." Jandira lembrou que, até o final, Saturnino montava, através do Instituto que dirigia, grupos de debates quinzenais sobre temas importantes. "Estava aqui recordando com amigos que participei de um grupo de discussão sobre solidariedade. Que outro intelectual puxaria esta pauta? Só mesmo Saturnino!"
O também Deputado Federal Pedro Paulo (PSD-RJ) contou que não teve convívio com ele, apesar de tê-lo encontrado algumas vezes, mas que sempre ouviu falar sobre o papel histórico de Saturnino Braga para a defesa da Democracia. "Foi um ator político relevante no processo de redemocratização do Brasil, como Deputado Federal, como Senador Constitutinte, como Prefeito do Rio. Foi Prefeito da cidade em um momento bastante difícil da nossa cidade. Entra para a história como um político decente, honesto, probo e que adorava o Rio de Janeiro e que foi um exemplo como um homem público para todos nós que olhamos para o Brasil, mas também mantemos o olhar para a cidade."
Pedetistas históricos - um dos partidos que Saturnino Braga foi filiado e pelo qual se elegeu a cargos públicos - também foram dar o último adeus ao amigo. Como o ex-Deputado Federal Vivaldo Barbosa, que conviveu de perto com o amigo e companheiro da jornada política. "Saturnino Braga foi uma das maiores figuras políticas das últimas décadas. E aqui no Rio de Janeiro era a número um. Basta olhar para o Rio e perceber que não há uma pessoa nos últimos anos da estatura política de Saturnino Braga, da compreensão política dele. Destaco que Saturnino sempre foi uma pessoa progressista, de esquerda, ao longo de toda a sua trajetória política. Era um nacionalista, que procurava compreender o Brasil e o povo brasileiro, a postura e a posição do Brasil no mundo. Ele foi do PSB na sua origem, depois foi para o PDT, voltou ao PSB, esteve no PT e ao final foi convidado para voltar ao PSB. Nunca perdeu a sua posição, tinha uma consciência política muito elevada e uma trajetória retilínea. Suas lições e legado continuarão vivas." Vivaldo lembra da chapa do PDT de 1982, com Brizola como Governador, Darcy Ribeiro como vice-governador e Saturnino como Senador. "Um trio fantástico." E conta que estão sendo refundadas as bases do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Vivaldo procurou o amigo Saturnino Braga, que ficou entusiasmado e assinou a ficha número um, reforçando que "não significaria sair do PSB."
O cineasta Luiz Carlos Prestes Filho - filho de Luís Carlos Prestes, que foi secretário-geral do Partido Comunista no Brasil e liderou a Coluna Prestes - recordou-se da amizade entre o seu pai e Saturnino Braga, que deu o seu apoio para a campanha à Prefeitura, em 1986. Prestes Filho contou que quando ele era Prefeito foi sugerida e aceita a conexão - como cidades irmãs - do Rio de Janeiro e da russa Leningrado, hoje chamada São Petesburgo. O então Prefeito do Rio assinou o documento oficializando os laços com representante russa, vice-prefeita, Valentina Matvienko, que hoje trabalha como assessora no Governo de Vladimir Putin. "A solenidade foi aqui neste Palácio, neste salão oficial", lembrou Prestes Filho. Até o Governo de César Maia como Prefeito do Rio o intercâmbio ainda foi ativo, com a visita dele à cidade-irmã russa. Mais recentemente, o projeto de ballet do Complexo de Manguinhos voltou a estreitar os laços com a possibilidade de futuro intercâmbio de professores estudarem no Balé de São Petesburgo e os melhores alunos daqui da ONG poderem ser bolsistas por lá, com intercâmbio de russos conhecendo aqui as danças brasileiras. "Saturnino Braga foi nome importantíssimo no processo de redemocratização do Brasil. Ele está no rol daqueles que lutaram pela defesa, pela volta da Democracia, pela implantação de um regime democrático e a manutenção desse regime, tanto como Senador, como Deputado Federal, como Prefeito, como Vereador e, depois, já recolhido, nos últimos anos, aposentado, mas sempre escrevendo, pensando na Democracia brasileira Era um intelectual muito ativo. Bem-humorado, cantava muito bem", destacou o cineasta. Ele rodou um documentário com Saturnino, de 1988 sobre esta conexão entre o Rio e a cidade russa, no qual o político canta - era um cantor afinadíssimo - uma de suas marchinhas prediletas "Estrela Dalva" - Assista aqui.
O ex-Deputado Raymundo de Oliveira, que foi companheiro de Saturnino Braga de toda a vida, inclusive quando presidente do Clube de Engenharia, lamentou a morte do amigo. "Perder Saturnino é perder uma lembrança de uma antiga Política que não existe mais hoje praticamente. Caracterizada pela honradez, honestidade, ética. Foi um grande Engenheiro, um homem que marcou toda a nossa geração. Quando entramos na política, tínhamos Saturnino como uma referência, um parâmetro. A eleição dele ao Senado em 1974, quando sai sem esperança e entra aclamado. Um homem de grande cultura. Basta olhar o Parlamento hoje e vejo que parece que nunca leram um livro. E além de tudo era um cantor. Como nos marcou. Nós todos viemos no vácuo dele."
O ex-Ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, pelo PSB, mesmo partido de Saturnino Braga, também frisou o seu relevante papel político e intelectual. "Saturnino teve papel importantíssimo de Resistência. Foi um nacionalista."
E o então Secretário de Obras de seu governo na Prefeitura do Rio, Luiz Edmundo, recordou de gestos históricos e de ações concretas pelo Rio de Janeiro. "Saturnino Braga começou o reflorestamento em áreas importantes da cidade, como junto ao Sumaré e também na região do Salgueiro, na Tijuca." Ele lamentou que alguns lembrem dele como o Prefeito que decretou a falência do Rio, mas não se recordam de todo o seu legado pela cidade, citando o Plano Diretor e todo o engajamento para transformar grandes áreas em comunidades com endereços e condições dignas de moradia.
O filho mais velho, Bruno Saturnino Braga, lembrou que o Palácio da Cidade marcou a história do pai e da família. No palacete histórico de Botafogo passaram muitos grandes momentos. Quis o destino que a despedida fosse onde tantas recordações históricas aconteceram. "Como prefeito, a rotina nossa era aqui no Palácio da Cidade, onde despachava. Trabalhei com ele, fui chefe de gabinete, o acompanhei durante boa parte de sua vida política. Em casa, ele era um pai bacana, bom educador, um cara sereno e tranquilo, que soube incutir em nós valores importantes de integridade e de ética."
Roberto Saturnino Braga era de família de políticos: filho do ex-deputado federal Francisco Saturnino Braga e neto do ex-deputado federal Ramiro Saturnino Braga. O jovem iniciou a carreira em 1963 como deputado federal. Em 1966, a sua candidatura à reeleição foi impugnada pela Ditadura Militar. Na década seguinte, filiou-se ao MDB e voltou a se candidatar e foi senador pelo Rio de Janeiro de 1975 a 1985.
Formado em Engenharia pela Universidade do Brasil (atual UFRJ) em 1954, passou a trabalhar dois anos depois no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), onde se especializou em Engenharia Econômica. Também estudou na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), onde foi aluno de Celso Furtado, e no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Foi autor de mais de 20 livros.