O caso começou a ser julgado e afeta mais a BHP do que a Vale. As 40 milhões de toneladas vazadas formariam uma fila de caminhões que daria uma volta ao redor da Terra.
Foto da Agência Brasil - Arquivo
POR FERNANDO THOMPSON, jornalista e consultor de Comunicação Corporativa
Quase nove anos após o desastre socioambiental de Mariana (MG), começou em Londres, nesta segunda-feira, 21, o primeiro dia de julgamento da ação coletiva movida por 620 mil vítimas da tragédia. Os advogados pedem uma indenização recorde de R$ 230 bilhões. A barragem de Fundão, operada pela Samarco Mineração – que tem a anglo-australiana BHP Billiton e a brasileira Vale como acionistas – rompeu-se em 5 de novembro de 2015. Cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração destruíram comunidades, deixaram 19 pessoas mortas e contaminaram o Rio Doce e seus afluentes. Foram atingidos 46 municípios e 1,5 mil empresas, sem contar os efeitos no meio ambiente.
Para transportar essas 40 milhões de toneladas, seriam necessários mais de 3,33 milhões de caminhões. Juntos, esses veículos formariam uma fila de aproximadamente 50 mil quilômetros, o que seria mais do que suficiente para dar uma volta na Terra, que tem circunferência de 40 mil km.
O caso está sendo julgado no Reino Unido porque, em 2017, um advogado brasileiro que representava cerca de 6 mil pescadores entrou em contato com o advogado galês Tom Goodhead. Eles decidiram acionar a justiça britânica, visto que a BHP possui ações na Bolsa de Valores do Reino Unido. A empresa considera o julgamento internacional uma medida extrema, visto que há uma ação em tramitação na justiça brasileira.
Eu estudo esse caso desde o meu mestrado (2018). Em parceria com a professora doutora Maria Augusta Soares Machado e o cientista de dados Nicholas Martins, escrevi o artigo acadêmico “Speak Ill, But Speak of Me: The impact of Tweets on the stock price of Vale during the Mariana Dam Disaster”. O paper está sob análise desde 2021 no EUROPEAN JOURNAL OF OPERATIONAL RESEARCH. Essa demora é comum no mundo acadêmico.
No artigo, apresentamos importantes achados, entre eles que “… no caso das ações da Vale, em relação ao desastre da barragem de Mariana, apesar do sentimento negativo nas notícias e dos resultados positivos nas decisões judiciais, bem como do preço em alta no mercado futuro do minério de ferro, o engajamento registrado pela pegada digital nas redes sociais tem forte correlação com as direções de alta e baixa das ações”.
Doutorado
Os impactos desse evento criminoso foram o primeiro projeto que apresentei para o meu doutorado na Universidade Nova de Lisboa. Mas qual não foi a minha surpresa quando o tema foi rejeitado. Em 2021, minha então tutora, em um seminário onde eu apresentava o meu projeto, fez essa pergunta de forma direta: “Esse evento é de 2015. É velho para um estudo acadêmico. Quem vai se interessar por isso?”. A pressão foi tanta que acabei trocando o estudo do caso da Vale pelos casos do Nubank e da Tesla. Coisas do mundo acadêmico. Minha nova pesquisa mostrou-se um desafio e decolou.
Bem, com tudo isso dito, aproveitei o "desinteresse" de 650 mil pessoas e da Justiça da Inglaterra sobre o caso (contém ironia, como me alertou minha tutora em 2021) e voltei a estudar os dados de redes sociais sobre o crime de Mariana. E quer saber? A Vale é a grande vencedora desta disputa judicial. Mesmo já tendo fechado um acordo com a Justiça Brasileira de R$ 170 bilhões pelo desastre, esse valor é menor do que os R$ 230 bilhões pedidos nesta ação contra a BHP na Inglaterra. E, mais do que isso, do ponto de vista da imagem, todo o ônus dessa que pode ser uma das maiores indenizações ambientais do mundo está sendo arcado pela BHP sozinha.
Vejamos:
- A BHP é a grande vilã deste acidente na Inglaterra (sede da BHP), nos Estados Unidos (o maior mercado de ações do mundo) e na China, o maior comprador de minério de ferro do mundo;
- As ações da BHP sofreram mais nos últimos dias do que as da Vale;
- Apesar de ter mais citações nas redes sociais, a Vale não está associada (neste momento) à Samarco (empresa na qual a BHP e a Vale são sócias até hoje);
- As menções à Samarco nas redes estão centradas na BHP. A Vale quase não aparece;
- A mídia online domina as discussões sobre o tema;
- E, para aqueles que acreditam no “falem mal, mas falem de mim”, observem que os analistas de mercado (que indicam compra e venda de ações dessas mineradoras) são os que mais escrevem sobre a Samarco nos últimos dias;
- No caso da Vale, os que mais comentam sobre a empresa são os políticos;
- E, no caso da BHP, são os investidores.
Resumo da ópera: as duas mineradoras estão mal na fita no mercado financeiro, mas a situação está bem pior para a BHP.