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Artista afro-brasileira Rosana Paulino está sendo celebrada no High Line, em Nova York

Texto e fotos por Viviane Faver, de Nova Iorque

Especial para Plurale

O mural de 9 metros de largura, com sua pintura chamada The Creation of the Creatures of Day and Night, ficará em exposição até o final de dezembro num dos pontos mais turísticos de Nova York: a High Line.

A prática de Rosana Paulino abrange desenho, pintura, sutura, gravura, colagem, escultura e instalação. Seu trabalho coloca em primeiro plano questões sociais, étnicas e de gênero, tendo um cuidado especial em explorar o legado duradouro da escravidão e a história da violência racial e de gênero no Brasil.

A artista tece arquivos pessoais, científicos e históricos ao longo de seu trabalho, usando esses materiais para demonstrar e, em seguida, desconstruir estruturas coloniais violentas, particularmente no que se refere às mulheres afro-brasileiras.

Considerando o impacto que esses arquivos e memórias têm sobre valores coletivos e sistemas de crenças, Paulino examina a construção de mitos — não apenas como um pilar estético, mas também como uma influência fundamental na consciência cultural.

The Creation of the Creatures of Day and Night dá continuidade à série de manguezais do artista, que retrata mulheres-árvores como um arquétipo mitológico e símbolo do bioma brasileiro. Paulino observa que os manguezais, assim como os povos negros e indígenas do país, foram maltratados e explorados.

O artista destaca o significado simbólico inerente a esse ecossistema: é onde a vida começa, como um lar para inúmeras espécies como um reservatório de carbono azul, e onde a vida termina, devido à decomposição do próprio manguezal.

Paulino reimagina essa dualidade entre vida e morte como dia e noite. Da esquerda para a direita, a cor do céu desbota da luz do dia para um tom mais profundo, meia-noite. Em vez de halos dourados tradicionalmente vistos em representações europeias de figuras sagradas, as cabeças das mulheres-árvore são emolduradas por halos que lembram o sol e a lua. Da mesma forma, os animais que cercam as deusas também fazem referência à transição do dia para a noite.

No lado esquerdo da composição, Paulino retrata duas aves diurnas nativas do bioma de mangue: a garça-branca e, nas mãos da mulher-árvore, o íbis-escarlate. À sua direita, a outra deusa segura uma coruja e é ladeada por dois morcegos, ambos noturnos. Juntos, esses elementos apresentam uma estrutura mitológica rica e nova para o mangue, oferecendo um afastamento das representações moldadas pela colonização e pela exploração.

Nos últimos anos, Rosana Paulino – uma das mais proeminentes artistas visuais do Brasil – expôs seu trabalho em museus pela Alemanha, EUA e Itália.

A artista também recebeu o prêmio inaugural de liberdade artística concedido pelo Museu Munch, em Oslo. Ao anunciar sua decisão, o júri declarou: "Rosana Paulino contribuiu para algumas das conversas mais importantes sobre arte, história e sociedade no Brasil e além", acrescentando que a artista "tem sido uma voz de liderança no feminismo negro, com um compromisso firme com a luta das comunidades afro-brasileiras e a luta contínua contra o racismo."

As técnicas que usou ao longo de sua carreira de 30 anos incluem bordado, colagem, pintura e escultura. Mas o tema central é frequentemente o mesmo: "Quero trazer à mesa a questão do que significa ser uma mulher negra em um país racista como o Brasil", disse.

É precisamente isso que torna o trabalho de Paulino universal, de acordo com Andrea Giunta, professora de arte na Universidade de Buenos Aires e co-curadora, junto com Igor Simões, de sua exposição no Malba.

Segundo Andrea Giunta, a escravidão não era um problema apenas para o Brasil, mas para as Américas. "A Europa, também está profundamente envolvida nas reflexões de Paulino, que são universais em um sentido geográfico e em termos de justiça social."

Para Paulino, a dor causada pela diáspora de africanos está presente na América Latina, nos EUA e na Europa com os imigrantes. "E isso está fazendo meu trabalho atingir públicos que eu nunca esperava."

Nascida e criada em um bairro de classe trabalhadora em São Paulo, Paulino descobriu a "arte negra" pela primeira vez na adolescência, em um desfile de escola de samba, durante o Carnaval. "O tema daquele desfile da Mocidade Alegre era sobre artistas brasileiros, os poucos que eram reconhecidos na época."

Com um talento para o desenho que tinha desde a infância, decidiu fazer uma faculdade de artes. Em 2011, Paulino se tornou a primeira mulher negra brasileira a obter um doutorado em artes visuais. "Ter uma validação acadêmica foi uma estratégia que eu criei para que minha voz pudesse ser ouvida. A arte brasileira sempre foi muito branca e elitista, o que, com poucas exceções, tornou o trabalho de artistas negros invisíveis", declarou.

Nos últimos anos, a representatividade melhorou, mas ela ressalta que ninguém abriu portas por "gentileza": "As instituições brasileiras foram obrigadas a agir, porque estavam passando por um constrangimento internacional, com um mercado inteiramente branco e eurocêntrico, que ignorava seu próprio país", disse.

Para a curadora brasileira Janaína Damaceno, "uma das grandes qualidades do trabalho de Paulino é que ela é uma pesquisadora incrível".

A artista pretende usar a maior parte do prêmio em dinheiro do Munch Award – (£ 20.000) – para estabelecer o Instituto Rosana Paulino, que será construído em um bairro operário de São Paulo. O instituto servirá como uma biblioteca de imagens e estudo documentando representações de pessoas negras.

Este ano, Paulino deixará de lecionar como professora de arte e se dedicará inteiramente à sua arte. "Quero passar um tempo no meu estúdio, produzindo, pesquisando e experimentando novos materiais ou novas maneiras de usar materiais.

"Quero ser capaz de não ter que ser política o tempo todo, de não criar tantas estratégias o tempo todo... Não vemos esse mesmo tipo de pressão sobre artistas brancos", disse ela.







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