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COP30 entre o verbo e a ação: a carta que tenta transformar mobilização em entrega

Na segunda carta à comunidade internacional, a presidência da COP30 avança na tentativa de desenhar um roteiro para a ação climática. Mas ainda falta precisão na comunicação e clareza sobre os mecanismos que transformarão intenção em impacto.

Por Kelly Lima*


Há momentos em que o discurso deixa de ser apenas um gesto simbólico e tenta se converter em direção. A segunda carta da presidência da COP30, assinada pelo embaixador André Corrêa do Lago, publicada em maio, tenta exatamente isso: mover-se da convocação ética feita em março para a proposta concreta de uma arquitetura de mobilização climática global.

Se a primeira carta acenava para valores compartilhados e um chamamento à cooperação entre os povos, a segunda assume um novo tom. Propõe frentes de atuação, anuncia estruturas e dá nome aos instrumentos. Pela primeira vez, a retórica da presidência brasileira se aproxima de um plano – ainda incipiente, mas necessário.

A principal inovação da carta é o desdobramento do conceito de “mutirão global” em um dispositivo narrativo e organizativo. A ideia de que a transição climática precisa ser descentralizada, espontânea e conectada às realidades locais ganha corpo com a proposta das “contribuições autodeterminadas”. Inspiradas nas NDCs do Acordo de Paris, essas contribuições não viriam dos Estados, mas de comunidades, organizações e indivíduos. E, diferente das promessas que aguardam 2030, devem refletir ações em curso ou imediatamente realizáveis.

A lógica é potente. Ela reconhece a fragmentação dos sistemas institucionais e busca responder com policentrismo e organicidade. Ao mesmo tempo, desafia a verticalidade do processo multilateral, tentando criar uma camada paralela de mobilização. O problema, do ponto de vista da comunicação, é que a carta ainda se expressa como uma promessa vaga. Faltam metas, faltam critérios, faltam mecanismos de adesão e de mensuração. O que se faz com as ações mapeadas? Como se conectam às estruturas oficiais da COP30? O gesto de abrir a convocação à sociedade é valioso – mas precisa de um protocolo de tradução para que a abertura não se dilua em ruído.

Outro destaque é a formalização dos quatro “Círculos de Liderança”, concebidos como espaços de aconselhamento e inteligência coletiva. Liderados por nomes como Marina Silva e Sônia Guajajara, os círculos reúnem saberes diplomáticos, técnicos, ancestrais e éticos. São, em tese, mecanismos para reoxigenar a governança climática e gerar convergência. Mas o excesso de camadas pode ter efeito colateral: criar estruturas paralelas pouco compreensíveis fora do ambiente diplomático. O risco é repetir o padrão de iniciativas inspiradoras, porém inoperantes – uma síndrome recorrente nas instâncias multilaterais.

No campo da narrativa, a carta aposta novamente em uma linguagem elevada, repleta de metáforas e referências filosóficas. A “Síndrome da Guerra Passada”, a “Laudato Si’ como bússola ética”, o “século da complexidade” e as “ações em cadeia” compõem um mosaico intelectual que enriquece o texto. Mas o uso constante de conceitos abstratos pode se tornar uma barreira à mobilização efetiva. Em tempos de negacionismo climático crescente e de retração dos recursos para a agenda ambiental, a comunicação precisa ser tão rigorosa quanto acessível. Clareza é arma política.

A grande qualidade da carta está em reconhecer que os mecanismos atuais são insuficientes para dar conta da crise climática – e que é preciso redesenhar o campo da cooperação global. A presidência da COP30 mostra consciência da urgência e da complexidade do momento, e isso não é pouco. Mas consciência não basta: é preciso estratégia.

A carta de maio acerta ao dar um passo além da inspiração. Começa a desenhar contornos, ainda difusos, para uma mobilização que não seja apenas retórica. Mas o tempo para amadurecer essa narrativa é curto. Belém se aproxima. E para que a COP30 seja realmente um marco, será preciso menos metáfora e mais engenharia. A comunicação não pode apenas chamar – ela precisa coordenar, organizar, executar.

Desafio posto: ou a narrativa se traduz em práticas, ou permanecerá no campo das boas intenções. A COP30 tem potencial para ser um divisor de águas. Mas para isso, precisará, como o próprio texto sugere, deixar de ser um evento e se tornar um movimento.

*Kelly Lima é jornalista, sócia fundadora da Alter Conteúdo, e uma das idealizadoras da Casa Balaio, em Belém







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