De Plurale
Foto da Agência Brasil/ Arquivo.
A ONG Ação da Cidadania - criada há 32 anos pelo sociólogo Betinho, por Carlos Afonso, com apoio da comunicadora Nádia Rebouças para o combate à fome - acaba de anunciar o fim da parceria com o iFood, maior plataforma de entregas do país. Segundo comunicado divulgado pela ONG, "a decisão foi motivada pela falta de abertura ao diálogo por parte da empresa, especialmente em relação a críticas envolvendo a insegurança alimentar enfrentada por entregadores da plataforma".
A colaboração entre as duas instituições teve início em 2017. Desde então, o iFood apoiou ações promovidas pela ONG, enquanto a Ação da Cidadania participou da concepção e desenvolvimento de uma ferramenta de doações dentro do aplicativo. O recurso gerou milhões de contribuições destinadas a pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Além disso, a ONG atuou na criação de uma pasta interna no iFood voltada à segurança alimentar dentro da companhia — iniciativa que acabou sendo descontinuada em 2023. Em nota, a organização afirmou que o modelo de negócios do iFood contraria os princípios ESG: “Modelos de negócio que colocam o lucro acima das condições básicas de quem sustenta suas operações precisam ser repensados. O crescimento econômico deve caminhar junto à responsabilidade social, reconhecendo que o sucesso de uma empresa também se mede pelo impacto que gera na vida de seus trabalhadores.”
O encerramento da parceria ocorre em meio a uma série de polêmicas envolvendo o iFood. Entre elas, o jantar realizado na casa de Diego Barreto, CEO da empresa, que contou com a presença do presidente do STF, Luís Roberto Barroso. O evento buscava angariar recursos de empresas privadas para financiar bolsas de estudo destinadas a candidatos negros interessados na carreira jurídica, msiturando os empresários com os magistrados..
A empresa também tem interesse direto na ação em tramitação no Supremo Tribunal Federal que discute o vínculo empregatício entre motoristas e trabalhadores de aplicativos e as plataformas que operam esses serviços. Embora o processo seja contra a Uber, sua decisão terá repercussão geral, impactando também o iFood.
Paralelamente, o iFood enfrenta pressão no mercado diante do anúncio de um investimento de R$5,6 bilhões feito pela chinesa Meituan, concorrente no setor de entregas.
Ao Brasil de Fato, o diretor-executivo da Ação da Cidadania, Rodrigo "Kiko" Afonso, afirmou que o rompimento se deu após inúmeras tentativas de diálogo. Desde 2017, o iFood apoiou campanhas de combate à fome promovidas pela ONG, inclusive com uma plataforma de doação dentro do aplicativo.
"Kiko" Afonso completou: “Essa decisão não é sobre condenar, é sobre responsabilidade. A fome não é um conceito abstrato pra nós — ela tem rosto, tem nome, tem história. E quando vemos trabalhadores sem acesso ao básico, sem comida, sem direitos, precisamos ter coragem de fazer escolhas difíceis. Tentamos o diálogo até o fim, porque acreditamos que sempre é possível construir juntos. Mas não dá para ficar em silêncio diante de quem recusa olhar para a fome que também ajuda a produzir”, afirmou Afonso ao Brasil de Fato.
Plurale procurou o iFood e recebeu uma nota em resposta. Segue: "O iFood recebeu a notícia do rompimento da parceria com surpresa e lamenta o ocorrido. A cooperação com a Ação da Cidadania começou em 2017 e, desde então, temos apoiado a ONG em vários projetos como, por exemplo, o "Natal Sem Fome". Durante estes oito anos de trabalho conjunto, sempre buscamos manter uma colaboração construtiva, além da participação da instituição no programa de arrecadação de doações de clientes no aplicativo. O iFood continua aberto ao diálogo com a Ação Cidadania e reafirma seu compromisso em proativamente buscar soluções para contribuir com o combate a desigualdades sistêmicas do país, como falta de acesso à educação e insegurança alimentar.
A Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida surgiu em 1993 por iniciativa do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Uma extensa rede de comitês locais, movimentos sociais populares, artistas e lideranças comunitárias se mobilizaram para denunciar e atuar sobre o problema da fome no país. O contexto era de 32 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
* Com participação de informações do Brasil de Fato.