Marcele Oliveira, a Campeã da Juventude da COP30 inspira outros jovens a serem protagonistas na questão climática. A moradora de Realengo, Zona Oeste do Rio de Janeiro, mobilizou o bairro para assegurar área verde. Em Belém estará na sua quarta COP; e conta que está trabalhando intensamente em rede para evitar a tese do `fim do mundo`.
POR FELIPE ARARIPE E SÔNIA ARARIPE, DE PLURALE
FOTOS DO MRE/ ITAMARATY E DE RICARDO STUCKERT, SECOM-PR
Se você ainda não conhece este nome, trate de gravá-lo logo na memória. A jovem carioca Marcele Oliveira, 26 anos, foi escolhida entre 154 jovens inscritos para o cargo, como a Jovem Campeã da COP30. E está liderando a mobilização de crianças, adolescentes e jovens no Mutirão Global contra as Mudanças do Clima. Marcele sabe bem a relevante missão que abraça; e conta para Plurale, nesta entrevista exclusiva, que está trabalhando intensamente em rede, para que tudo saia dentro – ou até acima – do esperado.
A “cria” das periferias, adverte que os jovens pobres e periféricos são os mais afetados pelo racismo e pelas mudanças climáticas. E acredita que soluções não virão do modelo atual de tomada de decisões - centralizado em países ricos e focado em soluções verticais – mas sim da participação da sociedade civil, especialmente da juventude. A adaptação que as cidades precisam tem que ser promovida com participação social. Precisamos ter as opiniões de quem vive ali. Não pode ser um mesmo plano de adaptação para todo o Brasil, para todo o mundo. Não funciona. Os lugares são diferentes, os contextos são diferentes”, resumiu Marcele para Plurale. Mesmo quem ainda não a conhece, sabe que não se trata de discurso vazio: a jovem ativista, apesar da pouca idade, tem extenso currículo e habilidades nesta função. Quem circula nos eventos e diálogos sobre Mudanças Climáticas já conhece Marcele pelo seu fôlego e por sua disposição para engajar e mobilizar. Foi assim que a gestora cultural conseguiu reunir moradores do seu bairro, Realengo, na Zona Oeste do Rio, para garantir parque de área verde, recém-inaugurado.
Marcele Oliveira é Diretora do Perifalab, é produtora cultural e atua desde 2019 no enfrentamento ao racismo ambiental em Realengo, Zona Oeste do Rio. Fundadora da Coalizão Clima de Mudança, integrou a Agenda Realengo 2030 e o programa Jovens Negociadores pelo Clima. É mestre de Cerimônias do Circo Voador e pesquisa como a juventude pode liderar a adaptação climática nas periferias através de soluções baseadas na cultura. “Eu sou produtora cultural, sou artista, sou gestora; e é por conta dessas características que entro para um ativismo climático um pouco mais no lugar não só de mobilização, mas também de formação”, resume.
Marcele integrou a lista do Edital de Chamamento para o Jovem Campeão Climático - iniciativa inédita do governo federal, realizada pela Secretaria Nacional de Juventude, órgão da Secretaria-Geral da Presidência da República. Ao todo, 154 jovens se inscreveram para o edital. A partir desse processo, a Comissão Organizadora selecionou 24 nomes, que foram encaminhados para a Presidência da COP30. A função do “Presidency Youth Climate Champion” foi criada para fortalecer a participação dos jovens nas políticas climáticas e nos processos internacionais de negociação sobre mudanças climáticas. O cargo busca garantir que as perspectivas e as vozes da juventude sejam incorporadas nas discussões e nas decisões globais sobre o clima.
Otimista de plantão, a Campeã da Juventude da COP30 refuta críticas e um certo clima de “já-deu-errado” sobre a Conferência, baseado na escolha de Belém (PA) para sediar o megaevento, diante dos preços elevados das diárias de hotéis e da falta de infraestrutura de saneamento e transportes públicos na capital paraense. “Não será na nossa COP, na COP do Sul Global, na COP da Amazônia, na COP das Juventudes que vai dar errado! Os jovens têm soluções criativas e o Brasil pode liderar pelo exemplo com a participação social na COP30”, opina.
Leia, a seguir, a entrevista exclusiva para Plurale.
Plurale - Se você tivesse que se resumir, quem é você?
Marcele Oliveira - Eu sou uma mulher negra periférica de Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, que luta pelo Parque Realengo Verde. Foi a luta que transformou a minha forma de olhar para a causa ambiental, para a Mata Atlântica, para a natureza. Eu sou produtora cultural, sou artista, sou gestora; e é por conta dessas características que entro para um ativismo climático um pouco mais no lugar não só de mobilização, mas também de formação. E aí participo do programa de jovens negociadores pelo clima, faço alguns eventos climáticos para qualificar o clima de mudança. Me inscrevo para o edital de seleção para Jovem Campeão Climático da COP30 muito com esse propósito de abordar, também, essa característica cultural da justiça climática, do enfrentamento ao racismo ambiental.
A pesquisa de cultura e clima é muito importante para mim. Acho que não tem sentido ficar falando de justiça climática dentro de lugares com ar-condicionado ligado, de terno e gravata. Eu acho que justiça climática se faz no território. Falo muito como eu me sinto diante da crise climática, o que aconteceu para mim, que foi a luta do Parque Realengo Verde, para eu me interessar mais nesse tema.
Plurale - Qual a sua expectativa para a COP30? Você já conhece? Quer dizer, é uma dinâmica toda própria da COP. É tudo muito segmentado ali, muito com aquele protocolo - enfim, mas também ao mesmo tempo grandioso, com muita gente participando. Diverso, múltiplo, que ecoa no mundo... Enfim, qual é a sua expectativa agora na nossa casa? Quer dizer, no Brasil, na Amazônia, em Belém? E justamente para a questão de resultados? O que você espera que saia desse encontro?
Marcele Oliveira - Essa vai ser a quarta COP de que eu participo; entendo que tem um desafio colocado para mim, que sou a segunda pessoa na história do mundo a ocupar esse cargo. Ele não existia antes; então, a primeira pessoa foi a Leyla Hasanova, uma ativista do Azerbaijão. E agora sou eu nessa posição. Ou seja, essa COP, por si mesma, já não é uma COP normal; ela está trazendo a questão da implementação, que vem sendo realizada no Sul Global, dentro da Amazônia. Um bioma super importante para tantos países, não só para o Brasil - e com um segundo mandato de um cargo recém-criado. Acho que tem um desafio, mas também tem uma esperança muito grande; porque, se é recém-criado, então quer dizer que tem muita coisa boa que a gente pode fazer, que a gente pode criar, que a gente pode inventar - e que não se atém às formalidades da conferência.
A COP30 é o marco, mas não é o objetivo final. Porque a COP chega e vai, como qualquer megaevento. As negociações podem caminhar ou não, mas o impacto mora também na mobilização que a gente consegue fazer nas escalas municipal, nacional e internacional - porque é isso que de fato chega na vida das pessoas. Tem aquilo que está colocado pela própria negociação de adaptação, de transição justa, mas eu sou uma grande defensora do mutirão global contra a mudança do clima. Esta é a minha agenda.
Existe todo um entendimento da importância de fazer o balanço do Acordo de Paris e de tantas outras linhas de negociação, que são muito importantes na garantia do multilateralismo. Mas eu acredito demais na proposta da presidência da COP 30 para o mutirão, porque acho que a negociação só avança quando a sociedade civil também está mobilizada. Historicamente, no Brasil, foi assim que funcionou: ao longo dos anos, muitas das lutas foram organizadas pelas demandas da sociedade civil. Apesar de não termos fala dentro da sala de negociação, dá para fazer bastante barulho, sim – e é nesse time que eu quero jogar.
Plurale - Marcele, fale mais, por favor, sobre o que é o seu cargo, a sua atuação, o que é possível fazer e o que você planeja.
Marcele Oliveira - O papel de um Jovem Campeão Climático é impulsionar a agenda de crianças e adolescentes nas negociações, no sentido dos textos, dos posicionamentos das partes, mas também na mobilização de juventudes ao redor do mundo que vêm contribuindo com a ação climática, que é o que de fato impacta os territórios. Então, este é o meu pitch rápido.
Além do meu papel, quero muito honrar essa nomeação do presidente Lula, com essa responsabilidade de conduzir um caminho de ampla participação social no debate ambiental - que é uma proposta do Brasil, a participação social nas negociações climáticas na cúpula de líderes; uma demanda que o Brasil está colocando como importante para valorizar o saber tradicional, para valorizar a experiência das juventudes, para valorizar a diversidade, a sociodiversidade que a gente e tantos outros países do mundo têm e compartilham - mas que está sendo muito ameaçada por outras formas de ver o mundo, de encarar o desenvolvimento, de encarar o debate da sustentabilidade.
O meu papel é um pouco também de contornar isso através da imaginação, da criatividade, de ser essa ponte entre o que está sendo debatido nesse aspecto mais high level. E o que de fato está na demanda da juventude: trabalho, renda, moradia, habitação, tempo de qualidade, área de lazer arborizada perto de casa, um protocolo de emergência que todo mundo saiba qual é a hora do evento climático extremo acontecer - seja onda de calor, seja enchente, deslizamento, seca. Então, é fazer essa ponte entre o que é conversado lá e o que de fato a gente entende da pauta climática e promover mais discussões que façam, né, essa transversalização, porque é transversal.
Plurale - Você tem falado muito que a periferia é mais afetada; a gente viu ali o que aconteceu em Porto Alegre, com um impacto muito forte para as comunidades e periferias. As periferias são, realmente, as que são mais afetadas?
Marcele Oliveira - As periferias estão no contexto do racismo ambiental, que se coloca a partir do momento em que decisões são tomadas sobre os territórios sem a participação de quem vive o dia-a-dia no território. Então, isso configura ali uma queda da qualidade de vida de CEPs e tons de pele específicos.
Isso está comprovado de diversas formas; entre elas é perguntar, para qualquer pessoa que estiver passando na rua, se foi ela que decidiu que aquela árvore fosse derrubada, ou se foi ela que votou, em algum lugar, para que aquela indústria fosse implementada ali. Essas decisões, principalmente no aspecto das juventudes, chegaram quase que prontas - e foram tomadas por outras pessoas; a participação social não foi garantida.
Então, quando a gente faz esse debate de periferia, eu tenho essa leitura do aspecto do Brasil. Mas quando você alonga isso para o mundo, fala do contexto da guerra, do contexto da fome, vai falar do contexto da privação do acesso à liberdade, ao estudo. São decisões tomadas por acordos que não fomos nós que lideramos.
Quando a gente faz esse debate da justiça climática, é um debate que começa com justiça por isso; porque o colapso ambiental não foi causado pelas crianças e pelos adolescentes. É importante que o que está sendo trazido - não só de problemáticas, mas também de solução pelas juventudes - seja colocado na mesa como possibilidade, porque o acordo que foi feito até aqui não resolveu a crise climática, não encaminhou nada em 30 anos de negociação. Então é a hora de fazer diferente.
Talvez essa hora de fazer diferente já tenha passado; e eu acredito muito que fazer diferente significa também reconhecer a ação climática que já acontece - promovida pelas comunidades indígenas, tradicionais, quilombolas, extrativistas, ribeirinhas - onde também há muita juventude engajada, mostrando quais são as prioridades para essa nossa década, para essa nossa geração que está lidando com pós-pandemia, que está lidando com o crescimento da inteligência artificial, com o avanço do negacionismo. Nós temos soluções, respostas, mobilizações, pesquisas. Falar de periferias é falar um pouco desse contexto, desse encontro que não está só no problema, mas também nas soluções. As periferias têm a resposta.
O presidente Lula, Marcele Oliveira, a Jovem Campeã do Clima da COP30, e o ministro Macedo | Foto: Ricardo Stuckert/PR
Plurale - Sobre as negociações, qual seria, para você, a maior urgência? O Brasil está trazendo essa questão social, mas qual será a principal urgência para essa COP30?
Marcele Oliveira - Adaptação e Financiamento Climático são assuntos que andam muito juntos; quando a gente fala de financiamento climático, do R$ 1,3 trilhão que é necessário para promover a adaptação, para promover a transição justa, parece um assunto muito técnico. E muitas pessoas acabam por não se engajar, por não compreenderem o porquê de o Brasil liderar isso.
Mas sob um ponto de vista, olhando para as juventudes, é preciso compreender que a ação climática que as juventudes fazem não é reconhecida; e ela não consegue escalonar justamente porque o financiamento climático não chega. A adaptação que as cidades precisam tem que ser uma adaptação promovida com participação social. Precisamos ter opiniões de quem vive ali. Não pode ser um mesmo plano de adaptação para todo o Brasil, para todo o mundo. Não funciona. Os lugares são diferentes, os contextos são diferentes.
Quando a gente fala sobre essas diferenciações, mais pessoas se interessam por esse debate - que é sobre cidade, sobre a alimentação, sobre qualidade do ar, qualidade da água. Isso é falar do nosso contexto. O financiamento climático chega pra gente dessa forma: com o investimento, com políticas públicas, com o alavancamento da participação das juventudes nos espaços de decisão. E aí, sim, com a promoção de uma adaptação que seja antirracista, que não seja gentrificadora, que olhe para as cidades sob uma perspectiva que valoriza as pessoas. O debate da adaptação fala também da adaptação do pensamento.
Isso acontece porque a gente tem uma cultura de destruição. É isso que a gente quer combater. A gente quer combater a ideia de que é preciso adaptar somente a infraestrutura, mas a verdade é que não é. É preciso adaptar o nosso entendimento de desenvolvimento. É necessário reconhecer a ação climática local, ancestral, aprender com ela, alavancá-la, colocá-la como uma prioridade, como uma solução.
Nesse caminho, acho que a agenda de adaptação, ligada com essa agenda de financiamento climático, tem que deslanchar; e a presidência da COP30 está comprometida com isso; está liderando essas agendas, alinhadas a essa revisão do balanço global do Acordo de Paris.
Plurale - Como é que você vê o cenário atual global? Você traz uma fala também de otimismo, de mudança, dentro de um quadro tão negativo no mundo. Como é possível fazer isso num cenário tão adverso? Ou será que, justamente por ser tão adverso, é que traz mais esse otimismo?
Marcele Oliveira - Eu ando dizendo que é mais fácil falar do fim do mundo do que da invenção dele. Pensar no fim do mundo, que acabou, que não tem mais jeito e que é isso aí, é algo que não está nos nossos planos de juventudes. Afinal, a gente ainda tem muita vida para viver. Eu tenho 26 anos. A opção de não olhar com atenção, com criatividade, com tom crítico, com provocação para a pauta climática, nunca me foi oferecida na vida.
Quando você fala de contextos originários, compreende que, em 500 anos, nunca se ofereceu nada. Essa resistência não é ocasional; os defensores da natureza e do meio ambiente são, inclusive, muito ameaçados - assassinados, precarizados, mas sempre estiveram aí, colocando a importância de proteger a natureza como a proteção dos nossos modos de vida, das nossas culturas, daquilo que a gente ama, dos lugares que a gente gosta de ir, dos nossos biomas, das nossas formas de ver o mundo.
A opção de acreditar no fim do mundo está fora de projeção justamente porque o mundo, na perspectiva da juventude, tem muito mais soluções do que as negociações que vão chegar. A gente tem tantas possibilidades de quem vive na prática a emergência climática, do olhar pela lente das juventudes, das soluções; por essa lente de que, se mais tomadores de decisão estivessem ouvindo as juventudes periféricas, a gente estaria avançando mais na agenda. Fico com reinventar o mundo.
Plurale: A COP30 em Belém está sofrendo inúmeras críticas, seja pela questão de infraestrutura, por falta de locais para estadia ou pela dúvida da presença de certos países. Neste cenário, é possível se imaginar que o Brasil possa, realmente, ser um protagonista nessa agenda?
Marcele Oliveira - Eu posso falar, enquanto produtora cultural, que fazer um megaevento é muito complexo; requer muitas mãos e muitas reflexões. Em nenhum lugar do mundo, fazer uma COP foi diferente; na verdade, como quem já esteve em outras, os desafios são imensos. Ao mesmo tempo, nunca foi feita uma COP de participação social, como será a nossa.
Nunca foi feita uma COP com uma agenda de implementação - assim como é a segunda vez na história que tem uma presidente jovem. Então os caminhos são, sim, diferentes; nem positivos nem negativos. São diferentes porque precisam ser diferentes. Porque, talvez, seja esse “diferente” que causa um estranhamento; mas também pode abrir diversas portas, que apontem para como a COP pode acontecer daqui para frente. Eu fico de novo com essa ideia da reinvenção, de que é logo na nossa vez de receber a COP, sabe? Logo na vez de ser do Sul Global, de ser na Amazônia, agora que se vai impor 30 anos de COP, 30 anos de negociação - e falar que não funciona mais? Vai funcionar sim, porque a gente vai fazer funcionar com a nossa mobilização, com as nossas considerações, com os nossos apontamentos e as nossas críticas, mas também com a nossa força de falar para o mundo, em muito bom português, que a gente está disposto a lutar pela natureza até a última árvore, se for necessário!
A gente está disposta; e a gente precisa que os tomadores de decisão olhem para isso, ouçam esse grito, porque isso está sendo gritado há mais de 500 anos. Logo na nossa vez, logo na nossa COP, virão essas questões? Vai ser sim, a COP30 do Sul Global, a COP da Amazônia, a COP30 das Juventudes; e vai ser vivendo ela que, talvez, a gente possa descobrir esses caminhos da reinvenção do mundo e desse sistema multilateral que está tão fragilizado, mas que nos garantiu, até aqui, diversos avanços.